Geração Z dividida

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Estudos em vários países mostram o surgimento de um abismo ideológico entre homens e mulheres da geração Z (1997/2010): elas se tornando cada vez mais progressistas, eles cada vez mais conservadores (talvez devêssemos chamar de regressistas).

As hipóteses para explicar o fenômeno envolvem a formação de bolhas sociais nas plataformas sociais proprietárias (esse proprietárias é por minha conta) e reação ao movimento #MeToo.

“Ainda estamos descobrindo o que causa essa polarização, mas é provável que seja por causa das redes sociais. O fato de este grupo ser o primeiro a buscar a maior parte de suas informações nas redes pode ser ao menos parte da explicação”

Rosie Campbell, diretora do Instituto Global para a Liderança das Mulheres da Universidade.

No entanto parece faltar uma hipótese para como isso acontece. É como saber que cigarro faz mal ao pulmão, mas não saber o que tirar para ele deixar de ser nocivo. Assim nem é possível saber se um cigarro não nocivo ou mesmo saudável seria possível (spoiler: não é.)

Já andei falando sobre como os algoritmos corrompem as plataformas sociais, mas vamos resumir para quem tem pressa:

O objetivo de uma plataforma social comercial é lucro e as principais plataformas adotaram um modelo de negócio que não consiste em conectar seus usuários aos produtos que precisam, e sim em converter o usuário em produto a ser vendido e influenciado a precisar desse ou daquele produto ou adotar esse ou aquele viés diante da vida, seja conservador, progressista, pessimista, realista… Infelizmente é mais fácil influenciar as pessoas para ficarem assustadas e conservadoras. Os algoritmos notaram isso e aplicam muito bem.

E como surgem polarizações como essa entre homens e mulheres da mesma geração? As mulheres são imunes? Progressistas são imunes? Infelizmente receio que não. Receio que esse seja um efeito colateral do deep learning que produz os algoritmos: uma sociedade dividida é uma sociedade mais influenciável.

Tá… Você, pessoa brasileira, certamente conhece vários casos de várias gerações em que metade do casal está em um lado do espectro político e a outra está do outro, mas o que os estudos estão apontando é uma generalização disso chegando a reduzir o índice de casamentos na Coreia do Sul, por exemplo.

Voltando… Estou falando que tudo é culpa dos algoritmos e portanto os bilionários, tadinhos, são inocentes? De forma nenhuma. Eles definem o que será pedido aos algoritmos e adotam uma estratégia de “não ser maligno”, que na verdade conduz a caminhar na beirada do abismo do maligno se afastando do benigno em vez de adotar a estratégia “Ser benigno”. Parece simples, né? E na verdade é. A parte difícil é mostrar para políticos e bilionários que controlam corporações sociais, de mídia etc que uma sociedade unida pelo objetivo de ser gentil é uma sociedade mais próspera. Eles poderiam até ser mais bilionários ainda.

“A religião – Deus – perdeu o sentido, a família perdeu o sentido, o casamento perdeu o sentido, e até em questões de género, o significado é discutível para a Geração Z. Acredito que isso os deixa cambaleantes, sentindo que a sociedade pode oferecer-lhes muito pouco em termos de significado.”

Mark Vahrmeyer ao Expresso de Portugal

Aqui entro em um ponto bem delicado: O Batman produziu o Coringa?

Referências à graphic novel Piada Mortal ainda funcionam?

O ponto é que me parece que os grupos discriminados, como mulheres, negros, LGBTQIA+ etc conseguiram levantar suas vozes e caminhamos por um tempo para uma sociedade onde a diversidade seria admirada, que é muito diferente de ser tolerada como se dizia em décadas passadas, e isso causou uma reação contrária.

É fácil colocar a culpa nas pessoas discriminadas, mas não farei isso porque obviamente a culpa não é delas, mas de um tipo de ajuste espontâneo da divisão em tribos, que facilitou muito o trabalho de quem tinha interesse no conflito, e não tem aqui nenhuma teoria da conspiração, mas simplesmente jornais disputando leitores com a manchete mais atraente (normalmente a mais alarmante), organizações religiosas disputando fiéis, pequenas seitas religiosas fazendo o mesmo, o marketing que vende produtos de luxo (lembrando que o homem mais rico do mundo hoje é dono de empresas de luxos supérfluos como bolsas e maquiagem caras).

Sem a entendimento dos instintos genéticos e meméticos que formam a nossa consciência nem temos como moderar esses veículos e corporações que dispõe de recursos na ordem de trilhões de dólares para fazer seus maiores esforços para aumentar sempre seus lucros obtendo mais consumidores e fazendo-os consumir mais.

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Foto de Klara Kulikova na Unsplash

Referências


Comentários

2 respostas para “Geração Z dividida”

  1. Particularmente, penso que o algoritmo influencia bastante nessa questão. Mas ele sozinho não é capaz de sustentar a mudança real no comportamento de alguém; é preciso haver interesse ou curiosidade. Vou dar um exemplo: conheço casal onde tudo desandou após o homem ser apresentado (graças ao algoritmo) ao conteúdo MGTOW. Insatisfeito com o casamento, resolveu se aprofundar e procurar mais informações sobre o tema (atitude ativa do usuário, não é mais “culpa” do algoritmo) – gostou do que descobriu e viu que era melhor ficar sozinho – assim, divorciou-se. Citei apenas um caso que eu conheço de perto, mas é só ler depoimentos por aí e ver que isso tem sido cada vez mais comum. O mesmo vale para as mulheres ao se depararem com conteúdos (algoritmo calibrado) que abordam o sagrado feminino e coisas do tipo. No fim, o algoritmo é responsável por introduzir uma ideia, mas é a pessoa que decide se aprofundar. Sobre o sentido do casamento: nunca houve, tal qual a vida. Rsrs. “É preciso imaginar Sísifo feliz”, esta citação de Albert Camus explica bem a questão do “sentido de algo” (da vida, do casamento etc.).

    1. Certamente os algoritmos são um fator entre muitos, né? A sociedade é um fenômeno complexo e com muitas camadas. No entanto o fluxo de informações que recebemos nos influencia muito. Nesse momento está viralizando o vídeo de uma estadunidense que não sabe que pode pegar limões da árvore e consumir, que eles não precisam passar pela industrialização.

      Ela é burra? É culpa dela? Melhor ainda, é culpa do coletivo de pessoas como ela?

      Primeiro que me parece que, de fato, não é culpa dessas pessoas, mas de um conjunto de propaganda, cultura etc.

      Segundo que, mesmo que fosse culpa dessas pessoas, deixar por conta delas resolver o problema simplesmente não funciona.

      Problemas coletivos precisam ser resolvidos coletivamente… Os algoritmos precisam ser uma influência positiva, as plataformas sociais comerciais reguladas por algoritmos precisam assumir uma missão de “fazer o bem” em vez da antiga missão do Google de “Não fazer o mal”, o que as deixa sempre no limiar do mal em vez de buscando o melhor bem social possível…

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