Imagem: Companhia dos Lobos
Como vocês sabem a minha abordagem para o funcionamento da humanidade se baseia no princípio que cultura (sistemas políticos, religiosos, socais e todo tipo de viés) são como organismos que interagem no ecossistema que chamamos de civilização.
A reflexão de hoje é basicamente: A ideia de que os vieses de “direita” e “esquerda” devem buscar a aniquilação do outro e como isso pode levar à aniquilação dos dois.
Vi a seguinte frase logo no começo de um artigo que comentava o fato de duas pessoas tidas como expoentes do viés de esquerda terem confraternizado com expoentes do viés de direita.
“…devemos aprender a separar aqueles que apenas circunstancialmente se colocam num campo diferente do nosso e que, portanto, devemos lutar para convencer do contrário e para ganhar para o nosso campo. De outro lado estão aqueles que estruturalmente se perfilam do lado oposto, sobre os quais não há nada a fazer, senão trabalhar para derrotar.”
O artigo continua falando na perda da capacidade de identificar os aliados ideológicos. Vamos falar nisso mais lá para baixo.
Na verdade nem precisaria aproveitar o trecho acima para falar nesse combate de ideias pois me parece que é senso comum que esses “organismos” devem buscar a aniquilação do outro.
Pois do ponto de vista memético não posso discordar mais. Nem do ponto de vista científico ou filosófico.
A propósito, nem mesmo do ponto de vista biológico é bom quando um organismo aniquila o outro, quase sempre é sinal de desequilíbrio ecológico e desastre mais adiante com a extinção dos dois organismos e vários outros.
Quando se trata de memes, ou seja, de cultura, informação ou ideias a aniquilação é ainda mais nociva.
Para piorar a situação estou convencido que perdeu-se a consciência do que são de fato esses dois vieses que, a propósito, acabaram se tornando mnemônicos para grupos de vieses.
Parto do princípio que os dois vieses surgem de acordo com tendências humanas inatas que fazem com que nos identifiquemos com o mnemônico “direita” ou “esquerda”.
Bem, as pessoas com viés de direita são mais cuidadosas com as mudanças e tem uma relação de respeito e até culto das tradições além de serem mais emocionais. As que observam o mundo por um viés de esquerda podem até desprezar os antigos costumes e direcionar seu culto para as transformações ainda que sejam caóticas.
Bem basicamente é isso… Bem basicamente mesmo. E não estou falando da criação histórica dos dois lados que se sustentavam respectivamente na ideia de que os mais fortes conduziriam a maioria para o futuro ou na de que somente a união da maioria poderia impedir que os mais fortes conduzissem a humanidade para o desastre (e o próprio conceito de “mais forte” é bem discutível).
Antes de haver essa polarização histórica podemos ver que já existia o viés conservador e o progressista, precursores dessa divisão.
Espero que estejamos juntos até aqui. Juntos quer dizer entendendo e não concordando. Discordar é ótimo!
Com isso quero mostrar que as duas visões interagem para nos tornar mais velozes ou mais precavidos, para fortalecer, através do debate, tanto as conclusões e hipóteses de uma quanto da outra.
Ideias interagem. Mesmo que seja or meio do enfrentamento lógico.
Quando passamos para o campo da guerra com o objetivo de aniquilar o viés oposto nos tornamos incapazes de entender ou até mesmo observar claramente o nosso próprio viés.
Aí está explicada a perda de capacidade de diferenciar aliados e adversários ideológicos que o autor do artigo apontava: não se trata mais de desenvolver ideias, mas de aniquilar ideias. Bem, isso pode até ter funcionado no passado, mas os tempos mudaram e um novo paradigma está em pleno desenvolvimento.
Tem me parecido que “direita” e “esquerda” estão condenadas e que outros conjuntos de ferramentas de percepção do mundo os substituirá (talvez até com os mesmos nomes, quem sabe?).
Vive-se no momento uma sensação de vitória da “direita” que considero ilusória como nos mostra bem Castells em seu Redes de Indignação e Esperança onde ele aponta que o que realmente vemos é o fracasso das “esquerdas” na tarefa de entender as massas.
O viés de Castells, todavia, é de esquerda, logo ele assume que é ela, a esquerda, que deve ouvir o povo, mas a direita tem o mesmo dever se quiser sobreviver em qualquer sistema minimamente democrático e ela também está incapacitada tendo galgado posições apenas porque a parte da sociedade que depositava suas expectativas nas “esquerdas” se desencantou.
Veja só você o tanto de papo que uma festinha e um jantarzinho pode inspirar.