Sei que a resposta é óbvia: o futuro, por definição, nunca chega.
No entanto, vendo pessoas 40+ comentando entrevistas como a que o Bill Gates concedeu ao Jô Soares em 1995 como parte da divulgação do livro Uma Estrada para o Futuro, tenho a impressão de que existe um senso comum de que o futuro chegou.
Lembro que eu tinha 11 anos em 1978 e dizia para a minha mãe que um dia todo o conhecimento humano estaria flutuando livremente pelo ar e poderíamos, por exemplo, projetar na parede de casa grandes obras de Monet, e Van Gogh. Eu tinha lido alguém falando da Internet, alguém que Bill Gates não leu porque ele demorou um bocado a ver a importância dela. O fato é que sinto que temos duas ondas de sonhos com o futuro.
Quando vi essa entrevista hoje a primeira coisa que pensei e comentei foi:
Bons tempos em que pessoas como ele olhavam para o futuro…
Agora ele mesmo está preso ao passado ou no máximo ao lucro do presente.
Qual é o próximo futuro? Uma Internet social federada livre de corporativismo, propaganda e algoritmos? Novos modelos de cidade não só sustentáveis, mas restauradoras do equilíbrio? Renda básica universal?
O que quer que seja, desconfio que é muito pouco tecnológico e muito mais social.
Outro modelo de rede social precisa surgir ou o tecido social vai continuar sendo esgarçado, outro modelo econômico e social precisa ser buscado, outro modelo de civilização.
É claro que as tecnologias avançam cada vez mais rápido, é da natureza do modelo científico, mas ciências sociais também são um conhecimento científico e importante, aliás, vital.
Mais importante ainda é percebermos que nem todo avanço tecnológico é positivo ou será usado positivamente.
Ainda mais importante é que até um certo ponto os futuros que sonhávamos eram para as pessoas: vamos poder nos comunicar, ter acesso a conhecimento, viajar mais longe e mais rápido, aprender mais, fazer mais coisas, viver mais e melhor, criar uma civilização mais próspera.
Agora parecemos estar hipnotizados pelo próximo gadget, pela próxima traquitana: o Segway será a próxima grande coisa (alguém lembra disso?), o Glass da Google…
No entanto os anos 2000 viram uma “nova grande coisa” que tomou conta da civilização, aliás, duas, mas somente usadas em conjunto: Redes Sociais (hoje severamente danificadas pelos algoritmos) e o dispositivo que Bill Gates comenta aos 8 minutos da entrevista que linkei lá no começo, mas só atingiu o desenvolvimento necessário para explodir em 2007, o smart phone.
Preste atenção que as redes sociais já vinham correndo cada vez mais velozmente com six degrees, MySpace, Friendster, Orkut e até o Twitter se tornou uma febre antes dos telefones espertos se popularizarem.
O futuro sempre foi humano. Somente a tecnologia que expande, aproxima, estimula pessoas consegue se tornar “a próxima grande coisa”.
Agora os futurologistas estão com os olhos mergulhados em baldes cheios do fluido escuro “das IAs” (entre aspas pois IA se refere a algo tão amplo quanto fogo, que pode alimentar uma caldeira, cozinhar comida, aquecer um quarto, esterilizar uma ferramenta, moldar o metal, devastar uma floresta).
Lamento dizer, mais uma vez, que as IAs, sejam as delirantes GPT ou as realmente poderosas preditivas, não são a próxima grande coisa. As GPT muito provavelmente estão mais para o próximo Segway.
A próxima grande coisa pode ser consertar a Internet restabelecendo a Internet Social e o futuro pode ser federado (colocando aqui para poder dizer “Eu disse!”).
Novos modelos de cidade e sistema econômico sustentáveis são necessários, mas não tem o apelo comercial para serem uma marca para o futuro, exceto quando são projetos elitistas e estranhos.
A distopia é hoje
Lá no começo eu disse que tenho a impressão que os pessoal +40 receia que o futuro tenha chegado e que ele é ruim. Receio que não sejam só eles que estão desolados com o presente que vivemos.
Uma das piores coisas que pode acontecer a um organismo, um sistema, um ambiente, é achar que as mudanças pararam, que o mundo está inexoravelmente estabelecido.
Antes de mais nada: isso é impossível. Nem mesmo a rocha mais sólida é imutável. A maior força desse universo, os buracos negros, evaporam. A questão é quais serão as próximas mudanças. Quanto tempo demoraremos para notá-las.
A prisão invisível que ameaça a civilização (e a você também) em que vivemos pode parecer inviolável, mas não é! Nenhuma prisão é inviolável, muito mens uma sem paredes, ainda que algoritmos e IAs preditivas tenham um poder nunca visto, mas a humanidade também tem uma capacidade de adaptação inigualável, até mesmo para o crescimento exponencial da criação digital.
Vai dar tudo certo! É verdade que estamos sempre vivendo alguma distopia, mas elas servem para nos fazer procurar a próxima utopia! Vai dar tudo certo!!
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Estamos presos na quadra de jogos?
Foto de Siviwe Kapteyn na Unsplash


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