Móbile Maripose - Alexander Calder

O móbile da fragmentação da sociedade brasileira

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Pense naquele problema de lógica das casas de cores diferentes com moradores de diversas nacionalidades, hábitos e animais de estimação. “De quem é o peixe?”

O desafio é resolver de cabeça.

Assim é o momento que vivemos. São muitas variantes, muitos fatores, que nossa mente instintivamente considera que são orquestrados, mas é mais provável que diversos oportunistas (individualmente ou em grupo) que sequer sabem da existência uns dos outros se aproveite da “tempestade perfeita”.

Temos fundos de investimentos cujo objetivo é o ganho rápido na valorização e desvalorização de papéis na bolsa e não são capazes ou não estão interessados na sustentabilidade dos negócios sequer a curto prazo. É um fenômeno que não é novo, está até em filmes como O Lobo de Wall street.

A esse elemento se junta a banalidade do mal e o experimento de Stanford com universitários reproduzindo uma prisão. Há controvérsias, mas realmente nossa moral se dissipa e até se inverte quando somos inseridos em um sistema tóxico.

A negação da realidade e a capacidade de nos adaptarmos a praticamente qualquer ambiente nocivo tem suas raízes na psicologia evolutiva, dispositivos necessários para que continuássemos a buscar a sobrevivência e replicação dos nossos genes a despeito dos desafios externos.

Some isso à crescente complexidade do Universo que a ciência nos revela e, como vemos no início do conto de Cthulhu do Lovecraft:

…um dia, a reunião de conhecimentos desconexos nos revelarão visões tão terríveis da realidade que nós enlouqueceríamos ou fugiríamos da luz mortal para a paz e segurança de uma nova era das trevas.

Versão livre feita por mim no post A prisão invisível.

Aí está o que começou com o ridículo terraplanismo, que foi se desdobrando junto com uma infinidade de teorias da conspiração que, desconfio, tem muito a ver com a negação patológica da realidade e, portanto, da ciência que é nossa melhor ferramenta para estudar o real.

Não termina aí esse enorme móbile, podemos acrescentar quem desfrutava da sensação de poder como os militares no Brasil que, há motivos para desconfiar, alimentaram e apoiaram o caos que culminou na vandalização terrorista dos prédios dos três poderes, proprietários de latifúndios, capitães do mato detentores de “pequeno poder“.

Esse post não tem a menor pretensão de ser uma lista completa. O ponto é outro.

E daí?

Sim, e daí que o problema é complexo?

Bem “e daí” que que a mesma complexidade se aplica a nós, as pessoas que tentam entender e agir para preservar nossa sociedade e democracia: temos dificuldade em ver todo o móbile e elegemos algumas partes dele para explicar o fenômeno.

Ainda hoje vi um analista explicando o suposto avanço meteórico da extrema direita no Brasil (não estou convencido de que foi pior aqui do que em outros países) atribuindo-o à influência da rádio Jovem Pan, o que acho muito questionável.

E daí que, se quisermos curar nossa sociedade, não podemos ser superficiais como os que foram descolados da realidade a ponto de protagonizar os atentados de 8 de janeiro; e eles sequer são o maior problema e sim os 38% que após os atos ainda os achavam plena ou parcialmente justificáveis.

E esse é o momento para invocar aqui o último livro escrito por Umberto Eco: Número Zero.

Estamos diante de quase 40% de brasileiros, cerca 80 milhões de pessoas, vulneráveis a campanhas de terrorismo informacional digital (pós verdade, fakenews, guerra híbrida etc).

É muita gente.

Antes que alguém se desespere achando que todas elas serão influenciadas em direção a um mesmo objetivo, que seja eleger esse ou aquele bobo da corte (gosto mais da imagem do Zaphod Beeblebrox), acho isso praticamente impossível e os fatos corroboram isso, afinal vimos apenas alguns milhares em Brasília e muitos foram comprados para participar.

Parênteses, assunto para outro post esperando estudos: é bem possível que parte significativa das mobilizações fosse mantida espontaneamente pelas próprias pessoas que participavam sendo impelidas pelos próprios delírios ainda que conectadas a pontos centrais de distribuição de terrorismo informacional. Fim dos parênteses.

Finalmente… E daí que agredir esses 38%, considerar que são malucos, maus (homofóbicos, racistas etc) e merecedores apenas do nosso ódio não vai resolver nada, pelo contrário, causará o recrudescimento deles.

A chave das soluções está com a galera das ciências humanas, tão relevadas a segundo, ou melhor, a último plano. Consideradas intelectualmente inferiores a quem é de exatas até por elas mesmas (“não sei fazer cálculo, sou de humanas”), mas é uma área que exige muito mais inteligência porque use pensamento objetivo com subjetivo. Quem é de humanas domina a ciência da estatística, que francamente, muita gente de “exatas” falha em dominar.

Precisamos da interdisciplinaridade das humanas. Leia estudos de psicologia, antropologia, história. São essas pessoas que serão essenciais nas próximas décadas.

Tá, também tem a importância das ciências naturais para restaurar o equilíbrio climático e construir uma sociedade sustentável e temos avançado bastante aí também, mas é assunto para outro post.

Imagem: Maripose, de Alexander Calder, 1960


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