Imagem: Montagem por Fabiana Nascimento
A imagem dos dois grupos que comporiam (não verifiquei as fotos) o governo que sai e o governo é uma boa metáfora para a sensação de polarização e dificuldade de diálogo que temos visto.
Me lembro da história do palestrante americano que começou sem querer a contar uma piada para uma plateia japonesa. Ele sabia que o humor americano não funcionava com os japoneses. No final todos riram, mas diz a história que foi porque o intérprete, em vez de traduzir a piada avisou para a plateia: “Ele está contando uma piada americana, aviso quando for para vocês rirem”.
Quando os referenciais, o viés de dois grupos diferem diametralmente o diálogo se torna um grande exercício de empatia e, mesmo que nós humanos sejamos muito bons em empatia, não somos bons em pensar quando influenciados por fortes emoções.
Para piorar nós mesmos não percebemos muito claramente quando nossas emoções estão prejudicando nosso discernimento.
Aliás basta dar uma vasculhada em viés e falácias no clipping que mantenho (link na página outros eus) para lembrar que a razão é algo que precisamos cultivar e praticar muito para que possamos fazer bom uso dela.
Um viés que tem nos atrapalhado bastante é o que nos faz simpatizar com uma posição que mantivemos por muito tempo. Por exemplo, a vítima de relacionamento abusivo frequentemente tem dificuldade em perceber que os momentos de carinho não passavam de exceções criadas para tornar o abuso suportável.
Assim estamos depois de defender um lado ou o outro na disputa política.
O governo que entra é visivelmente tão envolvido (ou mais) com corrupção do que o que sai, no entanto quem se mobilizou a favor do impeachment não vai às janelas bater panela segurando-se em justificativas que não parecem nada realistas como “eles serão os próximos”.
Abre parênteses… Esse é outro viés que precisamos saber identificar: a sua torcida não faz o time de futebol ganhar o jogo, sua ida às ruas não impôs o impeachment. O jogo se decide no campo. Fecha parênteses.
Estou descrevendo o problema apesar de achar que é desnecessário (e você pode achar o mesmo), no entanto tenho visto muita confusão cognitiva mergulhando as possibilidades de diálogo em falácias, preconceitos, dissonâncias cognitivas.
Outro erro claro, mas muito comum, é o coro do “acabou a democracia”.
Ora! Mesmo que se considere que o impeachment está sendo encaminhando sem bases legais e sendo usado para retirar o governo eleito para colocar outro que defende o programa de governo que perdeu as eleições o que temos é um tipo de soluço e não um fim da democracia. Fim da democracia é não podermos mais votar.
Pode-se dizer que os exageros são justificáveis para expor a gravidade da situação, mas isso é um erro. Se queremos lidar com um evento precisamos saber com que evento estamos lidando e qual é a sua dimensão.
Mas, enfim (descobri recentemente que falo muito enfim)…
Estou tentando escrever também para você perceber que também está tornando o diálogo complicado. Seja reduzindo 100 milhões de eleitores a duas pessoas que é o que fazemos quando dizemos “quando votou na Dilma votou no Temer”… Melhor explicar isso também, não é?
Os votos que elegeram a Dilma podem ter sido contra o Aécio, contra a plataforma de governo apresentada pelo Aécio, contra a plataforma de governo que o eleitor achava de fato que seria realizada pelo Aécio, contra o partido do Aécio, contra os partidos aliados ao partido do Aécio, contra os interesses econômicos que pareciam investir no Aécio (agora sabemos que eram mais ou menos os mesmos do “outro lado”) e agora inverta tudo e pense que pode ter sido a favor da Dilma, a favor do Lula, a favor do PT, a favor da plataforma de governo apresentada etc.
E agora tenho que falar no chamado teste de lógica do Einstein, aquele com casas coloridas, moradores de várias nacionalidades com diferentes hábitos de bebida, fumo e animais de estimação.
Nossa mente não consegue lidar com um volume muito grande de possibilidades. Por isso inventamos ciência, gráficos, infográficos, mapas mentais, modelos mentais e outras ferramentas que não nos ensinam na escola (e convenhamos que muita gente sai da escola sem entender até mesmo a teoria que explica a evolução e diversificação das espécies, o que dirá metodologia de raciocínio).
Some a isso nossa necessidade de sentir um chão sob nossos pés e pronto, está estabelecido o desastre. Nos vemos emocionalmente (até desesperadamente) impelidos a construir um modelo bem simplificado da realidade e nos agarrar a ele como se estivéssemos em um oceano no meio de uma tempestade.
…
Bem, estamos, não é? Dê uma olhada nesse vídeo que fiz falando do cabo de guerra da política brasileira. É uma simplificação que pode ajudar.
Existe ao menos uma fórmula para tentar construir uma visão mais consistente da realidade. Vamos a ela.
- Tenha calma. Leia Demian de Hermann Hesse se precisar se lembrar que é possível viver sobre um chão fluido… Aliás já pensou que, se agora tudo é cada vez mais fluido não adianta fugir? Que esse é o século das mutações? Então aceite sua condição X-man!
- Tenha carinho pelos outros, por todos os outros. Assuma que a intenção deles é boa e busque essas intenções com sinceridade
- Observe seus sentimentos: te incomoda? Pode estar certo. Te agrada? Desconfie muito!
- Veja uma série boba e para cima. Temos que dar um descanso para as emoções e para a mente
- Teste suas ideias cientificamente. Assista Cosmos, leia De Primatas a Astronautas (meu vídeo comentando)…
- Coloque-se no lugar do outro tentando pensar como ele ou ela e não como você.
Quase todos nós concordamos que política é importante. Ela poderá tornar nossas vidas melhores ou piores e hoje, como nunca antes, nossa voz tem algum impacto.
Hummmmm… Tenho visto muita gente achar que cada voz tem um grande impacto o que é uma ideia absurda. Nem mesmo o Youtuber com mais assinantes no mundo tem realmente tanta influência. O que tem peso é nossa voz coletiva. Que colaboração sua voz está fazendo? Você fala para gerar questionamento? Para buscar uma visão mais clara? Para impor a vitória do seu ego? Para assustar os outros?


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