Uma cidade antiga e bem iluminada vista de dentro de uma caverna na penumbra.

Pequena Internet, Grande Internet

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Em geral nos referimos à Internet como uma coisa só: está bombando na Internet, a Internet está quebrada (bostificada), os algoritmos da Internet…

Tudo isso se refere ao que vou chamar de pequena Internet. A Internet sequer tem algoritmos, concorda?

Estar apenas na penquena internet é como observar a a vida pulsante da Grande Internet e do mundo através da abertura de uma caverna onde nos limitamos. Foto ilustrativa de Luca Micheli na Unsplash.

A pequena internet

Temos falado assim porque temos reduzido a Internet às mídias sociais (que são o que as redes sociais viraram depois dos algoritmos), buscadores, streamings e outros “players” que constroem seus negócios na Grande Internet.

Quando reduzimos a nossa atenção a essas “regiões” da Internet já estamos ignorando uma grande parte dela, mas não é apenas por isso que sugiro que a façamos essa distinção entre pequena e Grande Internet.

Essas regiões comerciais da Internet também são diminuídas em diversidade e profundidade, seja pelo modelo de negócio, seja pelas instruções dadas aos algoritmos e até mesmo pela simples existência de algoritmos mal orientados.

Vale a pena fazer um pequeno desvio para falar em algoritmos. Não é que eles sejam inerentemente ruins, é que, em mídias sociais, algoritmos são ajustados para reter atenção, influenciar emoções e gerar lucro e acabam por corromper essas mídias. Mesmo algoritmos com boas intenções podem acabar reduzindo a diversidade gerando ondas de “tendências”. Diversidade é essencial tanto para a evolução da vida de carbono, quanto para a da vida memética (cultura, consciência, civilização).

A pequena internet tem muitos outros problemas: são feudos que pertencem a senhores feudais com suas próprias agendas políticas e morais (frequentemente contrárias ao bem estar geral da humanidade), formam verdadeiros pan-ópticos que permitem mapear o comportamento, desejos, vontades e necessidades da sociedade inteira, uma vez que são poucas pessoas que não estão lá de uma forma ou de outra.

Aqui vale outra observação:

Basta cair em uma “porta” para os feudos digitais para estar em seus pan-ópticos. Por exemplo, o WhatsApp monitora uma dúzia de dados sobre nós, incluindo quem está em nossas agendas de contatos. Basta que uma dessas pessoas esteja em outros feudos da Meta, como Threads, Instagram ou Facebook para nos incluírem no mapeamento dos chamados grafos sociais. Com isso, quando navegamos por qualquer site que se conecte ao Facebook (e são uma infinidade indo de jornais a lojas passando por sites do governo) os algoritmos da Meta conseguem nos acompanhar e, não só nos mostrar propagandas, mas mostrar propagandas calibradas para influenciar os nossos desejos. Já aconteceu com você de somente pensar em uma coisa e aparecer a propaganda dela? Pois então, os algoritmos vinham te influenciando para pensar naquilo. O mesmo acontece com a radicalização política do seu tio do pavê.

Preciso observar que essa vigilância toda não é individual. A Meta (o Google etc) não estão interessados em você, estão interessados no perfil em que você se encaixa. A sociedade é tratada como manada.

Falta só mais uma coisa: data brokers. Se os feudos digitais atuassem sozinhos, o que você faz aos olhos do Google, por exemplo, seria conhecido somente pelo Google, o que faz sob os grandes olhos da Meta, ficaria restrito à Meta e por aí vai. Só que existem empresas que compram esses dados e reúnem todos eles. Novamente: não é o seu nome e o seu endereço, é o seu perfil e as “fórmulas” para prender a sua atenção, influenciar os seus sentimentos, ideias, desejos e até necessidades. Se for muito perturbador pensar nisso e você acha que é uma pessoa de mente forte, pense no problema disso com a infinidade de pessoas de mente não tão forte. No entanto sugiro não superestimar a “força” da sua mente.

Não é à toa que, para muita gente, a Internet é fonte ansiedade. Não é apenas por causa das timelines infinitas.

Ainda poderíamos lembrar da cultura da pequena internet, que transforma tudo em produto, até as amizades.

Não esgotei os problemas e a descrição da pequena internet, mas acho que dá para “pegar a visão”.

A Grande Internet

É curioso que precisemos falar sobre a Grande Internet pois ela foi enorme desde que deixou as casernas militares onde foi criada e se tornou meio de interligação de universidades, centros de pesquisa (como o acelerador de partículas CERN, onde nasceu a Web) e, algum tempo depois, um vasto universo cibernético onde cada vez mais pessoas podiam ter seu jardim cibernético, sua manifestação online. Inclusive as pessoas chegaram à Internet antes das empresas… Espera… isso é importante!

As pessoas chegaram à Internet antes das empresas! Não somente lojas, mas também mídias de jornal, rádio e TV. O poder estava estabelecido na estrutura “Nós falamos, a sociedade escuta”, então por que entrar em um ambiente onde todos podem falar? Ceder a hegemonia da capacidade de expressão? Quem tem mais de 40 talvez se lembre de quando os jornais entraram na Internet e faziam propaganda contra blogs comparando blogueiros a macacos… Curiosamente hoje vemos muito conteúdo gerado por IAs generativas, que são muito piores que o pior blogueiro, mas esse é outro assunto.

Talvez a melhor forma de lembrar como a Grande Internet foi (e continua sendo) um patrimônio precioso da humanidade é resgatando quando, em 2010, a Internet foi indicada para o prêmio Nobel da Paz com argumentos como a importância dela para unir a humanidade, dar voz a grupos marginalizados e universalizar o acesso à informação e conhecimento.

Isso tudo continua existindo. Em algumas horas você pode criar seu próprio site gastando em torno de 10 reais por mês. Não só isso, você pode criar uma rede social para o seu grupo integrada à todas as redes sociais da Grande Internet! Coisa, a propósito, muito mais disruptiva do que chatbots (IA generativa).

Felizmente a Grande Internet não pode ser detida, se pudesse já teria acontecido, o que podia ser feito era tentar afastar as pessoas dela criando a pequena internet, e isso vale um post específico, mas vou resumir em um parágrafo pois acho que é importante.

Não creio que alguém tenha pensado: vamos criar feudos na Internet e “prender” todo mundo lá. Apenas pensaram alguma coisa como “Vamos tentar atrair o máximo de pessoas pelo máximo de tempo para ver as propagandas da nossa plataforma” no caso das mídias sociais e “Vamos atrair o máximo de pessoas para os sites de quem paga para aparecer no nosso buscador” no caso do Google (ênfase em “para quem paga”, que converte o buscador de informações para nós em buscador de clientes para as empresas que pagam anúncios).

O que é, então a Grande Internet?

Pense em uma vasta floresta tropical com vilas criadas pelas pessoas, pequenas propriedades familiares ou mesmo regiões livres onde podemos acampar com um grupo de amigues. Pense no riacho que corre livre para todo mundo e cuidado por todo mundo! Pense na experiência de caminhar pela mata selvagem descobrindo sua diversidade e ecossistemas. Existem, claro, vilas e casas de gente ruim, mas elas estão em pé de igualdade com as outras e não com trilhões de dólares para fazer lobby.

Existe uma Grande Internet comercial, como jornais e podcasts, geralmente financiados pelos leitores e ouvintes, mesmo quando é um canal no YouTube, sim, regiões da pequena internet podem ser ocupadas pela Grande Internet! Essa ocupação é mais fácil se a pessoa ou empresa também cultiva seu próprio lugar na Grande Internet, como fazem, por exemplo, Ana e Laura do Nunca Vi 1 Cientista. O melhor lugar para ver os vídeos delas é no site!

Começo a falar da Grande Internet por suas regiões comerciais porque uma grande desculpa para justificar a pequena internet é que ela seria o único jeito de criar um negócio online. Não é verdade. A pequena internet é o único jeito de criar bilionários e trilhonários online.

Também fazem parte da Grande Internet as Malas Diretas ou News Letters, muito embora possamos discutir o uso do Substack para isso e recomendar o Ghost, que você pode usar para criar seu próprio servidor de mala direta integrado à rede de redes sociais da Grande Internet.

A Internet, Grande ou pequena, é praticamente infinita em potencial, já que permite a criação de coisas novas. No linguajar técnico: ela pode abrigar qualquer protocolo como os que permitem a criação da web, do email e até redes sociais distribuídas passando por sistemas de mensagens e de pagamentos.

Então não pretendo abranger aqui tudo que podemos encontrar na Grande Internet e vou me concentrar mais nas características de coisas dessa incrível malha de comunicações humanas! Começando justamente por “humanas”.

A Grande Internet é, antes de mais nada, humana, lugares onde vemos outras pessoas, suas ideias, suas causas, seus lugares de fala.

Sim, existem cada vez mais sites e conteúdos feitos por robôs que simulam textos e imagens criados por pessoas e, a todo momento, vemos artigos falando do desafio da Internet morta, de não saber se estamos em contato com uma pessoa ou com um texto corporativo ou artificial. No entanto isso não é um problema quando vemos a Internet como um fenômeno pessoal: quem mantém aquele site? Quem escreveu aquele post? Para isso existem os “Sobre” e as páginas “Agora” da vida.

Além das regiões comerciais que já citei, a Grande Internet tem partes mantidas gratuitamente para todes. Em geral uma pequena parte das pessoas que usam aquele serviço conseguem sustentar a plataforma inteira. É o que acontece com a Wikipedia e o Internet Archive, por exemplo.

Os custos para manter um site, como já disse lá para cima, são bem baixos, muito embora não esteja ao alcance de absolutamente todo mundo porque é necessário ter também uma conexão à Internet, um dispositivo conectado e, muitas vezes mais importante, saber que isso é possível, que nós temos direito a ter voz.

Seja como for temos também uma vasta Grande Internet em sites pessoais, pequenas comunidades, redes sociais como o Mastodon, o PixelFed, o PeerTube e uma infinidade de outras que são mantidas muitas vezes por uma única pessoa sem cobrar nada (em geral nós, companheiros nessa grande rede federada, contribuímos, mas não precisa de muito).

Outra característica muito importante da Grande Internet é que, em quase todos os lugares, somos nós que definimos o que vamos ver e não algoritmos. A excessão fica com plataformas como as do parágrafo abaixo. Todavia é importante observar que não são algoritmos que nos vendem para os produtos e sim que procura trazer conteúdo que nos interessa.

Também são raras as timelines infinitas. Penso agora em somente duas, a do Flipboard, que é uma plataforma que se integra ao Fediverso, e o Loops, que reproduz aproximadamente a experiência com o TikTok.

E para que vale tudo isso?

Vale para ter esperança na humanidade. Pera, vale para algo bem mais prático: vale para saber que não estamos sem saída!

A Internet não está quebrada, as pessoas é que tem sido conduzidas para cercados onde fica difícil olhar para fora e o tempo livre se esvai em timelines infinitas e construídas por algoritmos para reter o máximo possível da nossa atenção.

Nós sequer precisamos fazer algum tipo de sacrifício para voltar nossa atenção novamente para a Grande Internet, basta retomar o hábito te ir nos sites conhecidos de jornais, revistas etc e buscar por lá para encontrar artigos bem completos em vez de estímulos intensos de 30 segundos que acabam alimentando mais pós-verdade do que nos informando.

Serve também para nos trazer à atenção que, no esforço de agradar os feudos digitais com manchetes e temas que chamam cliques, muitos sites que na Grande Internet acabam sendo apenas eco do que algoritmos impulsionaram. Felizmente é fácil identificá-los pela falta de diversidade e superficialidade. Também é fácil identificar sites comprometidos com conteúdo/ leitores/ ouvintes/ espectadores. É também um alerta para decidirmos conscientemente quando vamos ecoar a pequena internet em nossos jardins digitais e quando falaremos do que nos interessa e nos conecta às nossas causas e grupos.

E, por fim, esse post não é uma proposta de êxodo total e irrestrito. Muitas pessoas e, principalmente empresas, precisam estar na pequena internet (por enquanto) e é até possível que a pequena internet tenha um lugar no futuro.

Esse post é um convite a dar valor ao seu espaço à sua identidade e lembrar que criar o seu próprio espaço online, seu próprio jardim cibernético, é simples e barato.

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Comentários

2 respostas para “Pequena Internet, Grande Internet”

  1. […] se deu hoje no colégio São Vicente de Paulo, no Cosme Velho. Fiquei sabendo por uma conhecida na pequena Internet (Instagram) e fiquei bem interessado em ver o que seria dito em um evento para pais, mães e […]

  2. […] a Internet dividida em pequena Internet e Grande Internet, sendo a Grande Internet composta por sites independentes e redes sociais de fato; era para a […]

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