O texto Bem vindo ao estado suicidário, de Vladimir Safatle (guardei tb no clipping)tem sido muito elogiado por gente bem qualificada.
Não gostei muito.
Decidi fazer esse post na sessão “Gotas”, que normalmente é para comentários rápidos, pois acho que o texto precisa de umas críticas e de tradução.
A principal crítica é, logo no início, nos colocar dentro de um experimento. Um experimento de quem? Estamos diante de um texto conspiracionista que delira com um controle global capitalista? Lendo o artigo essa impressão se desfaz se a leitura for atenta, mas sabemos como o início da apresentação de uma ideia influencia o viés de quem a recebe. Achei esse início péssimo.
A segunda grande crítica é que me parece que ele se afasta de 99% da população ao recorrer a uma estrutura intrincada que mistura apelos emocionais e frases de leitura um pouco difícil e não estou subestimando os 99%. Leia o texto. Ele é bom!
Apesar de ser bom tenho uma terceira crítica necessária antes de elogiar: Ele falha ao apresentar soluções e, quando apresenta, é violenta, intimidadora e soa utópica, ou mesmo distópica.
Apesar dessas críticas achei as ideias brilhantes e apoiadas nos ombros de gigantes como toda boa nova torre no reino do conhecimento.
O mais importante é que vejo nas entrelinhas o reconhecimento que acabamos chegando a um estado similar ao de 1984 (não só no Brasil) em que a Nação é percebida como a encarnação do indivíduo, o sentido da existência do indivíduo, o que facilita a formação de massas prontas a se sacrificar “pelo Estado” mesmo quando esse estado é entendido como “a economia”, “o mercado”, “o emprego”.
São inumeráveis as distopias que abordam isso, mas sinto no texto forte influência de 1984, principalmente ao falar da guerra infinita e considero brilhante o destaque do texto para a substituição aqui no Brasil da guerra contra o estrangeiro pela guerra interna, um elitismo onde todos se consideram elite ou elegíveis pela elite e odeiam a própria imagem no espelho negando-se a aceitá-la.
Está aí parte da fórmula dos que ainda ocupam as ruas pedindo pelo fim dos próprios direitos. A essa altura vale lembrar que o texto foi escrito há pelo menos dois anos.
Também acho importante o registro no texto da impossibilidade de um estado apoiado nessas crenças alimentar o senso comunitário necessário em uma pandemia. Seria brilhante se ele lembrasse que memes podem se tornar epidêmicos como genes e apontasse o desabrochar explosivo da pós-verdade e da dissociação da realidade, mais dois ingredientes para atrair 58 milhões de pessoas para um conjunto de delírios que quase venceu a eleição que teria sido a mais fácil da história não fosse uma parcela enorme da sociedade estar com grande dificuldade para enxergar o mundo real (sem discussões aqui sobre jamais vermos a realidade de fato, estamos falando no contato mínimo com o que é material para os nossos sentido e para os fatos).
Pausa para reler o texto e ver se esqueci algo… Fora as soluções que acusei o texto de não apresentar, mas elas vem logo a seguir, acredite!
Bem, não está claramente no texto, mas acho que temos que lembrar sempre do silêncio dos mortos… As mais de 600 mil pessoas que poderiam estar vivas não podem dizer se aceitaram ou não o próprio sacrifício em prol do “mercado” (que afinal está pior sem elas inclusive). É nossa responsabilidade ser suas vozes e rejeitar o sacrifício por um Estado. Pela inversão do Estado que devia existir pelo bem comum pelo bem comum que se sacrifica pelo Estado (e isso está no texto, eu disse que é bom apesar das minhas críticas).
Sobre a solução para a encruzilhada em que a civilização de encontra, inclusive diante das duas maiores ameaças que já enfrentou nos últimos 300 mil anos…
Duvido que vamos encontrar saída por revoluções. Elas não são viáveis e sempre acabam se impondo pela força e o que se impõe pela força só se mantém pela força e esse definitivamente parece ser o oposto do caminho que precisamos seguir.
Precisamos de evolução. E não no sentido darwiniano de adaptação ao ambiente e sim no sentido comum de amadurecimento e busca de sabedoria, empatia, alteridade.
Sim. É um caminho mais lento que aquele que pode ser necessário por consequência de uma das duas maiores ameaças: as mudanças climáticas. Estamos com um atraso de algumas décadas e nada dá sinais de que vamos acelerar na razão necessária para impedir partes importantes do desastre.
A outra grande ameaça, que ainda está longe de ser entendida e até percebida, é a dimensão da transição de paradigma cognitivo por que passamos (já andei falando sobre isso, links no final), que geralmente é vista apenas como uma inversão na pirâmide de comunicação (de poucos falando com muitos para muitos falando com muitos), mas mergulha fundo no colapso da classificação da realidade à partir de estereótipos e abraça conceitos como a fluidez de praticamente tudo, da sexualidade à realidade.
O parágrafo acima saiu um pouco do controle…
Ao mesmo tempo que essa segunda ameaça é muito séria por ser mal percebida ela também pode conter parte da solução se formos capazes de avançar mais rápido em seus territórios discutindo e procurando entender suas mudanças e vejo com otimismo a representatividade das fluidezas de gênero, neurodiversidades e outras.
Esse é o caminho de mudança que vejo que pode levar a humanidade a um novo equilíbrio: aceitar que somos todos mutantes, que a realidade existe, mas nossa percepção dela amadurece construída sobre razão e fatos que se erguem sobre torres mais antigas. Itálico no que é essencial para não nos perdermos em pós verdades.
Sobre a transição de paradigma que vivemos:
Photo by Issy Bailey on Unsplash


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