A geração X não sabe raciocinar

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O título desse post é uma falácia.

Me enviaram um vídeo que abrangia os seguintes tópicos (era um vídeo curto):

  • O vocabulário da geração Z é 40% menor do que o jovem na high school da geração Boomer (nos EUA)
  • A consequência é que os jovens não sabem fazer perguntas para as IAs porque não sabem a diferença entre teto e abóbada
  • As pessoas mais velhas estão conseguindo mais posições no trabalho com IAs que as mais novas
  • Um usa a tecnologia para ter mais tempo para ler mais, outro para jogar mais
  • Em tempos de IA GPT temos que ter mais imaginação e a leitura é a única forma de comunicação em que imaginamos junto com o autor

Tudo tão falacioso quanto o título desse post, afinal não podemos assumir o perfil de uma geração a partir de um indivíduo (sou da geração X). Também não podemos afirmar que a geração X tem alguma dificuldade de raciocínio sem considerar que ela se desenvolveu para lidar com um mundo onde sua atenção era disputada pela TV, pelas brincadeiras na escola, jogos de tabuleiro, rádio, cinema e pouco mais.

Da mesma forma precisamos colocar em nossa equação para analisar as novas gerações que, além dos estímulos zumbi, visto que tinham uma visão bem limitada dos seus alvos, também precisam lidar com uma verdadeira realidade alternativa construída por algoritmos que apresentam uma quantidade de estímulos virtualmente infinita como séries em streamings, podcasts (não compare com rádio), vídeos, jogos que são mundos completos com histórias que frequentemente abrangem séculos, narrativas transmídia que atravessam livros, filmes, séries, quadrinhos, jogos sem falar no que é produzido e despejado nas redes por pessoas comuns.

Percebe que, se detectamos uma queda de QI nos zoomers temos que verificar se os testes foram atualizados para refletir o ambiente moderno? Sem falar que QI é uma medita muito questionável desde as suas origens… Vide o episódio Pele Negra, Máquina Branca do podcast Ciência Suja aos 16 minutos.

Será que a primeira hipótese (da redução do vocabulário) levou em consideração novas palavras e expressões criadas pelas novas gerações ou isso foi de arrasta pra cima antes mesmo das fases iniciais de modelagem da pesquisa? Além disso essas gerações tem uma relação de co-criação com o conteúdo consumido:

Portanto, a leitura no âmbito digital não só existe, como também é um processo que acontece de maneira diferente da leitura de materiais impressos: é interativa e hipertextual. Nesse novo meio, as barreiras entre autor e leitor tornam-se tênues, uma vez que cada usuário da internet é também potencial produtor de conteúdo, um exercício concomitante de leitura e produção textual.

Gamificação na biblioteca para engajamento de leitores infantis e juvenis

O trabalho acima, de Jumana Morabi Pessoa, 2019, pode falhar no sentido de que a hipertextualidade foi muito reduzida nas plataformas sociais comerciais, que procuram dificultar o hipertexto por motivos óbvios, mas vemos claramente como as novas gerações geram memes, tendências, fanfics, histórias alternativas, finais alternativos. É bem provável que, mesmo os zoomers que não publicam conteúdos os criem mentalmente ou em rodas de papos com amigos, amigas, amigues.

A comunicação moderna não se limita mais ao uso de texto puro, ela é hipermídia, simbólica, ideográfica e duvido que isso tenha sido considerado como parte do material vocabular dessa geração e das mais recentes.

Mais adiante Jumana cita: Para Gee (2003), no mundo moderno, a linguagem não é o único sistema comunicativo importante. As imagens, símbolos, gráficos, diagramas, artefatos e muitos outros símbolos visuais são particularmente significantes. Saber ler criticamente imagens publicitárias, por exemplo, é uma valorosa competência.

Estou dizendo que os zoomers são mais cultos que os boomers? Não! Estou dizendo que não podemos avaliar as gerações cibernéticas com as mesmas réguas que as gerações anteriores.

Na segunda hipótese do vídeo, como a geração Z teria dificuldade em fazer perguntas para IAs por não ter vocabulário e aqui comete-se uma enorme falácia: tomar todo um conjunto complexo como um fenômeno homogêneo. Lembrando que a própria divisão de gerações é bem discutível.

Será que o zoomer que for colocado diante da tarefa de desenhar um edifício gótico terá dificuldade em apreender o vocabulário necessário? Faz algum sentido assumir isso porque a geração dele, supostamente, tem um vocabulário menor em relação a uma geração que viveu um universo com limitadíssimo acesso à informação? Será que o boomer saberá encontrar o significado de “Avonda!”? Que, a propósito, é uma palavra que pertenceu à geração dos avós dos boomers? E dorama? e-girl? Não tanko?

O zoomer também é conhecido por saber pesquisar o que precisa nos mecanismos de busca e plataformas de vídeo. Agora provavelmente terão que aprender com os Y e Alpha e pesquisar com IAs desenvolvendo uma intuição para os delírios delas.

Sobre as pessoas mais velhas estarem conseguindo mais posições no trabalho com IAs… Francamente… Desconfio que isso é uma desvantagem para as gerações mais velhas porque as IAs estão sendo MUITO mal aplicadas. A vantagem no uso de IA nesse sentido seria, talvez, coletar os nomes de estruturas góticas para buscá-las em artigos de arquitetura e urbanismo para, então, reproduzir as suas características usando o desenho industrial ou ferramentas de CAD: Pedir para uma IA qualquer papagaio pede.

Vou juntar as duas últimas hipóteses: ter mais tempo para jogar e formas de desenvolver a imaginação.

Quem acha que jogo não desenvolve… bem, jogos desenvolvem praticamente TUDO! Basta fechar o joguinho de paciência e jogar qualquer jogo moderno com seus lores enciclopédicos, exigências de habilidades sociais e de formação de estratégias em grupo e muitos etecéteras.

Sim, livros exigem que formemos as imagens, sons, cheiros e sensações descritas, mas os mesmos textos estão presentes nos lores dos jogos, e a tendência moderna de criar conteúdo partindo da cultura popular não é outra coisa que não um exercício de imaginação e criatividade que talvez só as gerações originais, as que fizeram as pinturas rupestres e criaram a linguagem, experimentaram.

Mais uma vez: Não estou dizendo que as gerações modernas são melhores que as antigas. Na verdade desconfio que, assim como acontece com o conceito de evolução, isso nem faz sentido. Cada geração precisa estar adaptada ao seu meio e as novas gerações tem o desafio de se adaptar a um meio que se transforma febrilmente em uma velocidade que estou para ver algum boomer ou X padrão acompanhar!

Leituras recomendadas

Foto de Ahmad Ossayli na Unsplash


Comentários

2 respostas para “A geração X não sabe raciocinar”

  1. Avatar de Aabacuc Eibenbäume
    Aabacuc Eibenbäume

    A geração Y é a mais presunçosa e soberba!

    1. Há quem diga que eles são os menos dispostos a engolir sapo, a se submeter a condições de trabalho abusivas, e daí serem considerados arrogantes, soberbos e “alecrim dourado”. Faz algum sentido…

      https://www.bbc.com/worklife/article/20220218-are-younger-generations-truly-weaker-than-older-ones

      E o vídeo Juvenóia do Normose também é interessante:
      https://www.youtube.com/watch?v=vK6UctAXRl8

      Ah! E o Vsouce fez um vídeo interessante também há 8 anos:
      https://www.youtube.com/watch?v=LD0x7ho_IYc

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