Uma letra simples e repetitiva, uma melodia melosa e arranjos competentes, mas sem nada de especial, um clipe em plano sequência executado com competência, mas sem efeitos e finalmente uma edição de som bem feita, mas que se resume a combinar as gravações de diversos microfones profissionais.
Essa é a fórmula (ou pelo menos a descrição) de um fenômeno que acumulou 1 milhão de acessos em apenas quatro dias e já atingia 2.6 milhões três dias depois.
O clipe original:
A letra
Oração
Meu amor essa é a última oração
Para salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na dispensa
Cabe o meu amor
Cabem três vidas inteiras
Cabe uma penteadeira
Cabe nós dois
Cabe até o meu amor
repete muitas vezes
Cabe essa oração
Um número razoável de pessoas está irritado com esse sucesso chegando a dizer que, se a humanidade fica enaltecendo algo tão infantil, devemos perder a fé em nosso futuro.
Mas qual será realmente o segredo da viralização desse meme?
Para encontrar essa resposta com segurança teríamos que falar com as 200 ou 300 mil pessoas que já viram o vídeo (estou supondo que a média é de 10 visualizações por pessoa, pode ser menos, pode até ser mais), no entanto creio que podemos arriscar uma explicação.
Dissecando o meme em partes
O plano sequência (uma só tomada feita com a câmera do início ao fim) coloca o espectador dentro do clipe.
- Começa com uma pessoa solitária cantando para o espaço vazio
- Num espaço íntimo dois amigos ajudam a preencher o vazio
- Melodia melancólica ganha corpo com arranjos que mudam seu efeito emocional para alegria e companhia
- Ambientes pessoais se mostram povoados de amigos
- Você não está sozinho, seus amigos estão ao seu redor
- A letra repetitiva vira um mantra cujas palavras não importam mais
- Uma transição da companhia dos amigos para um dueto, o encontro com a pessoa que faltava lá no início do clipe
- Grande apoteose onde todos os amigos se juntam, a música se transforma em festa
- Termina com todos próximos, cúmplices, trocando olhares
É assim que vejo racionalmente as várias partes do meme que combinadas construiriam a sensação de que viver alegremente com amizades puras e sinceras é um sonho possível.
Influências
Frequentemente os próprios artistas não sabem de onde vieram as ideias originais que os inspiraram, mas eles admitiram gostar da banda Beirut que fez um clipe parecido, mas sem os elementos chave para viralizar o meme.
Clipe do Beirute: Nantes
Outro clipe feito no mesmo tipo de ambiente (mas também incapaz de viralizar) é o do Rosetta: There’s an arc
Pessoalmente creio que de alguma forma eles foram influenciados pelo brilhante (mas monótono) Arca Russa, o mais longo plano sequência da história, o filme todo é uma única tomada! O começo tem a mesma estrutura dos clipes: pessoas seguem por um caminho tortuoso chegando a uma grande festa.
Mas é claro que o primeiro a usar o plano sequência com objetivos narrativos foi Hitchcock: Making of de Rope
No entanto se há um meme precursor desse é o Polyphonic Spree que tem exatamente os mesmos elementos:
Outro exemplo do Polyphonic Spree, um derivado, entretanto ainda mais similar a Oração:
E vale lembrar que o efeito “mântrico” da repetição funciona muito bem desde o Bolero de Ravel (aliás produzido quase sem querer):
Variações do Meme
Uma das características importantes de um meme são as capacidades de reproduzir e sofrer modificações e há vários filhos desse meme, vou destacar dois.
A Segunda Banda Mais Bonita da Cidade
Esses amigos reproduziram (na medida do possível) justamente os elementos que destaquei lá no começo: olhos nos olhos, alegria, amizade. É uma cópia do meme.
A Banda mais Fodida da Cidade (cenas vulgares)
Aqui pessoas que se sentiram incomodadas com o meme basicamente querem dizer “esse treco é uma babaquice”
Porque uns adoram e outros odeiam
Isso não é realmente uma pergunta essencial pois é claro que tudo é apaixonante, indiferente e irritante para alguém, mas achei que teria que responder essa pergunta pois o meme lida com algumas das emoções mais básicas dos humanos e naturalmente isso despertará reações violentas entre os grupos que gostaram e os que não gostaram da mensagem.
Já deixei bem claro porque acho que as pessoas gostaram tanto do clipe, mas é preciso lembrar que não foram somente essas pessoas que produziram visualizações no clipe. Pelo menos metade de quem odiou deve ter visto também.
Odiar o clipe não quer dizer que a pessoa é um sociopata que odeia a ideia de amizades sinceras e de uma vida de prazeres simples muito embora essa seja a razão para uns 4,5% da população.
Muitos devem ter achado que é uma visão simplista e infantil que na verdade não mudará o mundo, não tornará as pessoas mais íntimas umas das outras e isso é verdade. O clipe em grande parte reflete o desejo de quem gostou de viver um mundo assim, mas não colabora em nada para tornar isso realidade… Exceto ao alimentar um pouco as esperanças de algumas pessoas que podem vir a fazer algo mais substancial a favor de amizades mais verdadeiras.
Outra razão para odiar o clipe é não comprar a ideia, não achar que eles foram sinceros e que não passa de uma hipocrisia para conquistar a juventude emo. É uma boa razão para odiar o clipe apesar do ódio quase sempre revelar mais sobre quem odeia do que sobre quem é odiado. No caso quem odeia talvez seja alguém filosoficamente mais profundo que acha (corretamente) que uma visa superficial só nos torna mais alienados. A esses eu diria que sempre há pessoas alienadas, mas que pelo menos sejam alienados em busca de sinceridade e simplicidade 🙂
Há claro um grupo minoritário que gostaria de produzir algo que se tornasse tão popular e agora teme que tenha que fazer algo superficial para conseguir atingir esse objetivo. Não é verdade. Veja por exemplo os clipes do Poomplamose ou o curta Não Quero Voltar Sozinho. O que ocorre é que o que é universalmente estimulante quase sempre deve ser superficial. QUASE sempre.
Fontes e curiosidades
- O Plágio mais bonito da cidade?? – Blog Redes Sociais e Música
- Artigo na Folha sobre paródias do clipe
- Artigo no portal UOL: A banda mais bonita da cidade é motivo de paródias
- L Reporta Diário (Youtube) analisou como foi feita a gravação de som do clipe.
Hmm, você esqueceu de mencionar o meu grupo de pessoas, os que não gostaram do clipe simplesmente pq acha que a música é ruim e que são péssimos intérpretes 😀
Eu vi boa parte do clipe, aguentei o cara cantando, mas as mulheres, meodeos, são insuportáveis de se ouvir.
Já a ideia do clipe é bonitinha, mas não é novidade e ao meu ver não foi tão bem aplicada assim.
Eu tava falando dos grupos que odiaram, o seu caso é o de não gostar, como a @ClaudiaMello e não gostar não precisa de explicação, né? Gosto é gosto 🙂
Agora, não achei as interpretações ruins não… Tão na média da média das bandas modernas 🙂
Ou será que vc tá no primeiro grupo e não percebeu? A gente raramente percebe racionalmente pq odiamos alguma coisa…
1) Tenho quase crteza de que o carinha dançando o Bolero de Ravel é o tal do qual te falei no chopp pós Café 22!!! Gente, eu jurava que ele estava de verde! Jurava!
2) Acho engraçado as pessoas pararem pra discutir tanto sobre um clipe que, a meu ver, não tem nada demais, ele simplesmente segue todas as fórmulas de sucesso de qq clipe, então não tem porque não virar sucesso. Concordo com a Luanda, as interpretações são péssimas, mas o clipe em si até que é bem produzido pra uma cosia caseira. Tvz o fato dele ter esse ar caseiro, seja uma das razões por ter se tornado um viral. As pessoas se identificam mais: olha! é algo que eu posso fazer em casa!
Sinceramente… Pra mim não fede nem cheira, então pra que essa preocupação toda?
Achei o vídeo do cara no Bicentenário da Revolução Francesa comemorado aqui no Rio! http://youtu.be/aWHcSPT3u7Q
Ele realmente não estava de verde… E essa dancinha tornou a música ainda mais chata 😛