Internet e direitos do consumidor

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A lei, através de códigos como o do Consumidor, nos garante o direito de reclamar quando nos sentimos mal atendidos, no entanto, se para muitos de nós a Internet é um espaço de convivência como qualquer outro, para a justiça talvez ela não seja.

A questão é saber se um dia teremos o direito de comentar com nossos amigos online o que achamos errado ou se esse recurso nos será negado e teremos que nos restringir ao boca-a-boca pessoalmente ou por telefone.

Creio que para a maioria das pessoas que usam a Internet (cerca de 70 milhões de brasileiros) ela é um espaço para exercer o direito de opinar, vedado, claro, o anonimato, a calúnia, a injúria ou a difamação.

Essa semana tive o privilégio de estar bem perto do centro de uma manifestação coletiva de que a liberdade de expressão é um desejo geral.

Em 2006 minha esposa escreveu em seu blog que não gostou do atendimento de um médico (esse link é para o post original no Internet Archive), caso que já comentei esse ano no post A Invisibilidade Corrompe.

A justiça considerou que não temos o direito de comentar online quando não gostamos de um atendimento e a condenou a pagar quase três mil Reais ao médico.

Na segunda feira passada saiu a sentença final e ela comentou com os amigos:

Demorou, mas saiu a sentença q me obriga a pagar R$2.940,00 de danos morais por ter criticado um médico no blog…

Link para o post original

Afinal de contas, se no passado nos comunicávamos com os amigos por voz ou carta, hoje usamos email, chat, blogs e Twitter.

O que ocorreu em seguida me parece muito significativo.

Dois amigos, @Lebravo e @S1mone (que conhecemos no ciberespaço) resolveram organizar uma Vakinha.com para nos ajudar a pagar a indenização e em pouco mais de 24h já foi arrecadado mais de 70% do valor e há pagamentos esperando confirmação que ultrapassarão os 100% ( valor excedente será doado a uma instituição de caridade e gostaria que o médico fizesse o mesmo com a sua parte).

Mais significativo do que isso são os números de pessoas que se solidarizaram com o caso e leram o post (preservado automaticamente pelo Internet Archive): mais de 8 mil no site da Vakinha e um número maior difícil de medir devido à repercussão no Twitter e em blogs.

A @claudiamello pode ser uma pessoa amada e respeitada por seus amigos, mas creio que a mobilização se deu com tamanha intensidade porque o desejo de poder expressar nossa opinião online não é um capricho, mas uma necessidade praticamente visceral, talvez sem saber tenhamos criado a Internet justamente para que o cidadão comum possa se liberdar das restrições das formas antigas de comunicação.

Ao meu ver esse caso, ao lado de muitos outros (vou adicioná-los ao fim desse artigo) são o grito de uma população que busca a maturidade da democracia e não aceita mais que as leis sejam usadas para proteger o erro e punir o acerto.

Nós estamos profundamente comovidos com o carinho a ajuda que recebemos para superar esse obstáculo e entendemos que, em respeito a todos, temos a responsabilidade de não nos calar e fazer por outros o que fizeram por nós.

O primeiro passo é nos mobilizarmos coletivamente pela criação de um marco civil na Internet brasileira que nos garanta nossos direitos para que nunca mais um cidadão seja punido por exercer o seu direito democrático ou de consumidor.

Links

Note-se que na maioria dos casos não há dúvida que o blog foi calado para privar a população em geral de informações a que ela tem direito.


Comentários

5 respostas para “Internet e direitos do consumidor”

  1. Roney, tenho uma pasta chamada “documentos para sempre”. Coloco aquele tipo de documento que não pode se jogar fora. O primeiro deles é a certidão de nascimento. Depois vem uma série de outros documentos, sejam eles de registros oficiais ou de memórias. Ela é analógica, de plástico, com papel até dizer chega. Lá, vou colocar meu comprovante de pagamento da minha contribuição à vaquinha. Tenho certeza que este é um documento histórico, a ser mostrado aos meus netos. De um tempo onde fui – junto dos meus amigos – precursor de um novo momento e de uma nova possibilidade na comunicação, que certamente será obsoleta aos meus netos, mas terei este registro, possivelmente amarelado, seco e falhado, mas importante. Guardarei com orgulho. É um presente ser amigo de vocês. Abraço.

  2. […] This post was mentioned on Twitter by Roney Belhassof and Roney Belhassof, Anamaria M. Vieira. Anamaria M. Vieira said: RT @roneyb: Internet e direitos do consumidor – minha opinião formal sobre a mobilização pela @claudiamello http://bit.ly/6pVjBc […]

  3. Olá, Roney.

    Concordo com você, e acho que o médico deveria ter simplesmente calado a boca e melhorado o péssimo atendimento dele.

    Mas realmente acho que a Cláudia não poderia dar tantos detalhes sobre ele, como CRM, clínica que trabalha e tal…

    Mas, em relação à situação toda, na minha opinião, precisamos sim de uma revisão das leis de danos morais. Precisamos rever os limites dessas leis, para que não conflitem com valores maiores, como o direito à informação.

    1. Realmente descobrimos que não é permitido identificar os maus prestadores de serviço, mas isso deveria mudar. Aliás temos que louvar atitudes como a do Paulo Coelho que criou um espaço no site dele só para falar mal dele!

  4. Concordo inteiramente contigo quanto a necessidade visceral de expressão. Mas vou ainda além: não me lembro de ter pedido de natal que os cidadãos fossem ligados em rede, menos ainda pedi que essa rede fosse colaborativa, 2.0. O Estado a inventou, permitiu, incentivou (vide os programas aí de fornecimento banda larga em comunidades, lan houses comunitárias, etc). E agora, nos inibem de voltar atrás num processo irreversível.
    Queremos mesmo falar e eles que nos deram as ferramentas, que aprenda agora a usá-las. A culpa é do médico e não da Cláudia.

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