Imagem: Les Chatfield – Reading for Bad Weather Cc
Essa semana um amigo meu que é escritor e considera a Internet um tipo de balaio de má literatura me pediu para escrever um artigo respondendo:
Livros na era digital. Quem ganha, quem perde e como estar no primeiro grupo
Será uma tarefa complicada pois ele me pediu fatos e não opiniões, mas ainda é cedo para dispormos de fatos seguros e eu sempre fui uma pessoa de opiniões muito mais do que de fatos pois gosto de olhar para os futuros prováveis ou desejáveis.
Decidi dar a minha opinião e fazer as minhas previsões antes de pesquisar mais a fundo os dados sobre como está o livro nestes primeiros momentos da era da cibercultura onde todo conhecimento se propaga livremente.
- Livro é papel com tinta ou são palavras esculpidas contando histórias, transmitindo conhecimento e transforando nossa forma de ver o mundo? O que está em jogo é o fim do livro de papel, não do livro
- No futuro próximo apenas livros especiais serão impressos, aqueles cuja arte ou profundidade pedem também a interação lúdica do toque das páginas, do olhar apreciativo da sua lombada na estante
- Os leitores (como o Kindle) estarão conectados à Internet e carregarão dezenas ou mesmo centenas de livros que poderemos ler e compartilhar a todo momento com nossos amigos offline e online
- Poderemos interagir com nossos livros criando versões alternativas, novos finais e até novos começos para eles. As fanfics já são vastas encubadoras de futuros autores
- Alguns desprezam os escritores online como aqueles que não foram capazes de atrair a atenção dos editores e portanto não possuem qualidade, mas essas pessoas desconhecem a meritocracia do Page Rank e da memética das redes sociais que qualificam os bons autores separando-os dos medianos
- Assim como a eugenia era uma ação pueril frente à ditadura dos genes que ditam nossa reprodução sem limites estamos também presos aos designios dos Memes que desejam que absolutamente todos possam produzir cultura e conhecimento: a proliferação de escritores e outros artistas fora dos corredores eugênicos da indústria cultural é inevitável
- O segredo do sustento do escritor do futuro que deseja viver apenas do que escreve (vários blogueiros já fazem isso com sucesso) está no desenvolvimento de uma nova moral onde pagaremos espontaneamente pelos trabalhos que gostamos pois teremos certeza que é o artista, e não uma empresa, que estará recebendo nosso dinheiro.
- As editoras e livros de papel já não são mais uma forma eficiente para levar os livros até o leitor e isso manterá na obscuridade vários bons autores que se submeterem ao modelo antigo enquanto autores medíocres alcançarão grande sucesso graças a sua difusão online (isso já acontece)
Então vamos lá…
Livros na era digital. Quem ganha, quem perde e como estar no primeiro grupo
O quadro atual
Neste momento o espaço virtual vem sendo usado para vender livros de papel.
Podemos visitar páginas especiais de cada lançamento, ler online o primeiro capítulo, seguir editoras no Twitter (@oleitorvoraz da Ediouro) ou mesmo fazer buscas em livros 100% digitalizados no Google.
No entanto a maioria das editoras e autores faz o possivel para restringir o acesso ao conteúdo dos seus livros o que se nota em uma busca rápida no Google Books: a maioria dos livros tem somente pequenos trechos liberados para leitura online.
À margem dos mercados editoriais surgem blogueiros escritores ou escritores blogueiros que, vez por outra, acabam sendo descobertos pelo mercado editorial e promovidos ao status de escritores de verdade. Boa parte desse mercado é composto por jovens que escrevem fanfics.
No momento a leitura de livros em telas não é tão confortável quanto em papel.
Nos desktops e notebooks o brilho incomoda os olhos e em celulares e PDAs o tamanho das telas dificulta a leitura.
Além disso o processo de digitalização dos livros é mais complexo e demorado do que o processo para músicas e filmes e isso restringe a pirataria de livros aos que chamam mais atenção do público.
Quem ganha
Darwin nos deu essa resposta e Richard Dawkins nos ajudou a perceber que ela também vale para a cultura: o venceder é aquele que se adapta.
O problema nesse momento é perceber realmente como o mundo está mudando.
A Internet mudou o mundo ou foi nossa cultura que mudou e por isso criou a Internet? Ou seja, estamos diante de uma moda que vem de fora para dentro ou de um movimento interno que promove a transição entre paradigmas?
Vamos supor o pior (ou melhor) quadro: os livros de papel e tinta desaparecem totalmente. Quem ganha?
Livros digitais podem ser copiados e pirateados com mais facilidade então ganha quem não tem dinheiro para obter livros ou é desonesto e não deseja pagar pelo que consome.
Livros digitais não tem peso então ganham os estudantes que não terão que carregar vários tijolos de papel para as escolas ou faculdades.
Também são os alunos e estudantes que ganham com a facilidade de busca de conteúdo.
Livros digitais tem margens infinitas. Os leitores poderão fazer vastos comentários sobre o que estão lendo e até compartilhar seus comentários com outros leitores, conhecidos ou não. A leitura de um livro não precisará mais ser um ato solitário e poderemos encontrar outros fãs do que estamos lendo como nunca antes foi possível.
Ganham as editoras que se adaptarem e deixarem de vender papel e tinta passando a interagir com aspirantes a escritores e leitores
Quem perde
Livros de papel proporcionam uma leitura com início, meio e fim. Há toda uma relação lúdica no manuseio do papel então perde-se a liturgia da leitura e da manipulação respeitosa do conhecimento, mas isso é uma opinião e este deve ser um artigo objetivo com fatos e não opiniões.
Falemos então em dinheiro.
Issso depende do futuro:
- Os livros digitais jamais existirão: quem se atirar nesse mercado investirá tempo e dinheiro que jamais dará retorno
- Os livros digitais se tornam comuns apenas em certos nichos: perde quem não for capaz de identificar esses nichos
- Os livros digitais se tornam o padrão do mercado: perdem as empresas que trabalham no mercado atual e não se adapatarem
Um bom exemplo de futuro provável está no mercado de músicas e de filmes.
Enquanto a maior parte da indústria insiste em vender CDs, DVDs e Blu-rays a Apple montou sua loja para vender músicas e filmes digitais. Já faz algum tempo que se tornou a maior loja dos EUA.
É possível também que as editoras passem a privilegiar os autores que obtiverem sucesso na meritocracia online passando a ignorar a intuição e bom senso dos seus editores.
Caso isso aconteça bons autores terão dificuldade de encontrar público se não forem capazes de usar a Internet para se fazer conhecer já que as editoras estarão concentradas somente nos livros que já sabem que serão sucessos de vendas.
Como estar entre os ganhadores
Haverá vencedores fazendo livros de papel e tinta, haverá vencedores fazendo livros de bits. O segredo está compreender a nova cultura.
Quem comprará livros de papel? Quem comprará livros digitais? Qual é a forma correta de chegar a esses compradores? Que títulos cada um deles buscará?
As respostas a essas perguntas valem bilhões de dólares pois são a diferença entre a falência e o sucesso.
“O que está em jogo é o fim do livro de papel, não do livro”
Não é verdade. O papel da editora/editor é o de crivo, o de seleção e trabalho do texto. Qualquer idiota publica qualquer coisa, inclusive no papel. Os bureaus e print on demand prestam serviços ótimos e de fácil acesso. O publicar na era digital significa publicar numa era em que existe uma falência total da cultura, onde tudo é fácil mas não é absorvido, não é entendido, compreendido. Vivemos uma era da informação mas não uma era da formação. É este o real dilema dos “fazedores de livro” (independente em que posição estão nesta linha produtiva).
O que está em jogo não é o papel. Nunca foi. Antes da internet tivemos a TV e antes dela o rádio. O livro impresso/editado não acaba porque o leitor precisa (e merece) este crivo, este olhar especializado sobre um texto.
Engana-se quem pensa que a internet ameaça o livro. Não ameaça, fortalece. Assim como o download de mp3 fortalece a indústria musical (já está comprovado, inclusive, que quem baixa música compra 10 vezes mais). A internet forma leitores.
Um coisa eu concordo contigo: vence quem se adapta.
O editor não deve temer a internet. O (bom) editor deve entender a internet e nela buscar uma formação de leitores com mais poder e penetração que qualquer programa de governo.
Agora… A questão não é se é em papel, pedra, xilogravura, elétrons, areia… A questão é este hiato que estamos vivendo entre a oferta de informação e a formação do saber.
Beijinhos.
Não é verdade que não é verdade! 😉 É bom ver que estamos discordando de novo! 😉
Lendo seu comentário me deu um estalo meio óbvio que talvez todo mundo tenha pensado antes de mim (e eu não li).
“O papel da editora/editor é o de crivo, o de seleção e trabalho do texto.”
Os editores modernos até onde percebo atrelam seu crivo à venda de livros de papel assim como a indústria fonográfica pensa que é indústria CDgráfica.
Até agora eu vinha pensando no fim dos editores que seriam substituídos como foram na Amazon.
Agora me ocorreu que o editor do século XXI pode ser um tipo de iTunes. Ele pode vascular a imensidão de produções literárias online recolhendo e disponibilizando em seu site apenas as que passam em seu crivo.
Se ele fizer isso os leitores recorrerão a ele e não ao Google onde o crivo é dado pelo Page Rank, ou seja, pela opinião de pessoas comuns, não editoras.
A idéia está lançada! Se for um bom caminho o primeiro que pegar ficará rico! Não serei eu pois não acho que tenha esse crivo…
Não é apenas uma questão de crivo, tanto que o que é bom para uma editora não necessariamente o é para outra. É também o trabalho com o texto. Desde os mais óbvios (revisões e trabalhos gráficos) até o de posicionamento (incluindo online), mídia, etc.
Você coloca o editor como um vendedor de papel e não é isso. O que está em jogo não é o fim do papel. Até porque para uma parcela significativa o papel não vai acabar (refiro-me aos livros infanto, em que a leitura necessita de um suporte analógico dentro do aprendizado infantil).
Quando falo em crivo na verdade repito um termo aprendido no MBA de Indústria do Livro, mas é mais do que uma simples seleção ou um page rank inteligente. A função do editor não é passiva. Ele trabalha o texto junto com o autor, mexe, sugere, critica, constrói.
É claro que o mercado está em transformação e ninguém sabe direito para onde vai. Uma coisa eu tenho certeza: até porque a quantidade de dinheiro envolvida não é grande, os editores são mais “leves” para mudar do que a indústria fonográfica e se adaptam mais rapidamente.
A grande questão não é o como fazer ou onde ou em que mídia mas como remunerar o autor, por exemplo. Ou o ilustrador, ou o revisor, ou o copidesque, ou.. ah, você entendeu. Produção literária para ser uma produção literária e não apenas um lixo qualquer jogado de qualquer maneira em qualquer lugar é um trabalho de equipe e dá trabalho. Pergunte à sua esposa se ela topa trabalhar de graça (se topar eu sou a primeira da fila!!). Ela precisa ser remunerada e os textos precisam do trabalho dela.
A coisa não é tão simples assim e as editoras não estão no ramo de reciclagem de papel. As editoras fazem outra coisa…
A idéia seria fazer exatamente o que é feito nos livros de papel só que com livros digitais que seriam vendidos como os de papel para pagar a galera.
Até agora a maioria das editoras que tenho visto ou insistem em vender papel ou em imprimir os livros sem crivo (lulu.com). Só a Amazon está vendendo livros digitais tomando emprestado o crivo de algumas editoras.
Creio que há uma lacuna ai para ser preenchida por alguém…
não consegui dar reply ao seu reply ao meu reply. 😀
oh, sim. Existe uma lacuna enoooorme. O mercado editorial é muito orgânico (eu sei que às vezes parece que não, mas é, juro) e existem muitas, muitas lacunas. Não só esta.
Agora acredite, considerando que 40% do preço de capa do livro é papel e distribuição, os editores querem mais do que os leitores uma solução para esta questão.
Só não acho certo você reduzir uma problemática bastante complexa a “O que está em jogo é o fim do livro de papel, não do livro”. Não, não é, não. O papel é só um veículo e nem importa tanto assim. Nem pra gente que vive online e nem pro editor retrógrado. Este mesmo editor retrógrado tenta audiobooks, por exemplo. O editor (os bons, pelo menos) se preocupam com o conteúdo acima de qualquer outro aspecto.
Então, o que está em jogo é uma educação do leitor online — assim como foi necessária na época de Gutenberg e tantas outras — para que ele saiba o valor (que eu espero que você concorde comigo que existe) do trabalho destes profissionais envolvidos no processo: editor, revisor, copidesque, diagramador, designer, etc, etc).
Paradoxalmente, eu não acredito que esta “educação” aconteça sem passarmos por um período de pirataria, de qualquer-coisa-vale e de falta de discernimento entre o joio e o trigo. É esta fase em que estamos agora e, é por este motivo e nenhum outro, que você não vê iniciativas dos editores no sentido de um i-books da vida. O que existe é mal feito, mal trabalhado, cheio de erros e de conteúdo duvidoso. COM A EXCEÇÃO DOS BLOGS, mas este é um outro tipo de mídia e não é disso que estamos falando.
Enfim, só acho — mentira, tenho certeza (não “acho”) — que a questão é muito mais complexa do que você colocou.
Você, a meu ver – IMHO -, cometeu o mesmo pecado do Fantastico: fez uma análise superficial não-investigativa de um tema que você não domina.
Sorry.
Bjins
A limitação padrão é essa: o reply do reply ao reply 😉
Vou reler o que escrevi…
Falei muito pouco sobre as editoras por não conhecer a fundo o trabalho delas e andar descrente depois da atenção que elas dão para a auto-ajuda, Paulo Coelho e J.K. Rowling enquanto certamente tem gente boa sendo esquecida… É como eu disse no post:
“É possível também que as editoras passem a privilegiar os autores que obtiverem sucesso na meritocracia online passando a ignorar a intuição e bom senso dos seus editores.”
Outra coisa que eu disse é:
“Ganham as editoras que se adaptarem e deixarem de vender papel e tinta passando a interagir com aspirantes a escritores e leitores”
Que é o que vc está falando. As editoras precisam escutar vc urgentemente!!
Vc me fez perceber que os livros de papel para crianças também devem sobreviver, tinha esquecido deles.
O que eu não sei responder é como os editores vão lidar com o vasto universo de novos escritores.
Como reconhecer os bons?
Como instruir novos escritores frequentemente arrogantes (no sentido de não admitirem interferencia), uma característica da cibercultura?
Meu caro,
O que eu não sei responder é como os editores vão lidar com o vasto universo de novos escritores.
Como reconhecer os bons?
Como instruir novos escritores frequentemente arrogantes (no sentido de não admitirem interferencia), uma característica da cibercultura?
Vc acaba de tocar, finalmente, no centro do problema. É esta a grande questão. Pouco importa se em papel, elétron ou ar.
Agora, em uma coisa nós concordamos: só sobrevive quem se adapta.
Bjins
Sou aluno do SENAC, estou fazendo um projeto onde criei uma empresa para a venda de livros digitais, andei pesquisando bastante e vi que ainda ha um certo receio com o livro digital, e uma grande falta de interesse das editoras e dos escritores. Acho que esta na hora de todos reverem os seus conceitos e talves mudar de opinião.
Abraço!!!
Oi Vinícius! Obrigado pela opinião!
Eu acho que há um certo senso comum de que os humanos são imorais e não pagarão por livros digitais e por isso editoras e autores tem medo de vender livros em outro meio que não seja papel e tinta.
Isso, naturalmente, é uma tolice e creio que é bem capaz das editoras passarem por uma grande onda de falências quando acontecer com os livros o que já aconteceu com a música onde a maior loja do mundo já é o iTunes da Apple.
Pelo menos algumas empresas como a Cultura estão investindo também em livros digitais.
É bom que haja muitos concorrentes em qualquer mercado e espero que as editoras se adaptem e sobrevivam.