Depois da polêmica em torno das idéias de Valdemar Setzer trocamos alguns emails até que ele me disse que uma criança não sai incólume do contato com livros de lógica aos 11 anos de idade.
Fiquei pensando e decidi que era hora de fazer aqui no Meme um post “blog pessoal” e contar a minha história que certamente é parecida com a de muita gente.
Estou fazendo isso tudo antes de ler os artigos do Setzer pois gosto de esgotar a minha opinião antes de colocá-la à prova mesmo correndo o risco de ter que me desculpar e contradizer depois.
Vamos lá…
Meu pai trabalhava muito e mesmo nas férias eu passava 80% do tempo com minha mãe que era uma pessoa simples, com pouca instrução (tenho 42 anos hoje e mães sem instrução eram mais comuns do que hoje), mas eu estudava em bons colégios particulares o que me fez ter acesso a mais conhecimento do que a minha mãe e percebi isso lá pelos 10 anos.
O ambiente familiar instável (brigas entre os pais, ameaças de separação e alguns toques de assédio moral) completam o quadro mais ou menos comum que afasta o adolescente dos seus pais e o leva a correr para videogames, drogas, amigos, livros, baladas etc.
Eu corri para livros.
Aos 16 anos já havia lido mais de 500 deles. Aos 11 lia Senhor dos Anéis, O Evangelho de Buda, a Bíblia, Da física clássica à física moderna (Einstein e Infeld) e depois vieram Eram os Deuses Astronautas e outros misticismos ufologistas incluindo alquimia. Era apaixonado por Kafka e até hoje choro com Cantiga de Esponsais de Machado de Assis. Teve também alguma literatura psicológica como Epistemologia Genética de Piaget, Erich Fromm e Pierre Weil. Tudo até os 18 anos.
Vocês pegaram o quadro, certo? O garoto nerd, com poucos amigos, que fugia para os livros como alguns fogem para a maconha. Era minha droga, mas também eram meus amigos e as bases que eu buscava para moldar as bases do meu mundo.
De tudo isso destaco três grandes influências, digo, quatro:
- Senhor dos Anéis que definiu as bases do que eu penso da amizade e determinação diante dos problemas
- A física quântica que me levou a perder 1 ano de colégio aos 11 anos enquanto decidia se eu era real ou imaginário
- O filme Jogos de Guerra que me fez pegar um livro de lógica do meu pai e começar a projetar um sistema de inteligência artificial capaz de decompor e entender frases
- A lógica desumana, mas humanista, do personagem Spock de Jornada nas Estrelas.
Só contei ao Setzer sobre o livro de lógica e ele disse que uma criança não passa incólume por isso… O que dizer do conjunto?
No entanto sei o humano adulto que estou me tornando (não me considero pronto ainda, nem perto disso) e gosto do que sou apesar de ter alguns problemas com relação à retenção de bens materiais.
Estou pensando na minha infância e nos impactos dela em minha personalidade desde o post linkado mais acima, ou seja, a 9 dias, e me sinto pronto para dar a minha opinião sobre o que isso me causou…
Nada disso me causou! Essas coisas não são a causa! A causa é uma família mal estruturada que me fez buscar informações e referências para montar a minha estrutura.
As tecnologias, conhecimentos e produções culturais do nosso tempo são os ventos que nos empurram em direção à humanidade que seremos, que nos integram ao nosso tempo.
Em outras palavras o pseudo Big Brother da Globo (o verdadeiro sempre será o alerta de Orwel contra o fascismo), os video-games violentos, as novelas alienadas e perversas (não me sai da cabeça os comentários da @Maffalda sobre os amores obcessivos retratados como puro amor no cinema e na TV) não são um inimigo externo do qual temos que proteger nossos filhos, eles são parte do mundo que eles encontrarão!
O inimigo está dentro de nossas casas quando não conversamos com eles, não damos atenção à sua paixão por aquele video-game, o grupo de rpg, aquela história em quadrinhos ou a festa no play do Joãozinho…
No meu caso, creio, dei sorte. Sou um bom humano adulto pronto a aparar arestas, desenvolver habilidades e continuar amadurecendo. Creio que devo muito disso aos meus pais por me ensinarem a duvidar o que me permitiu questionar o que lia e não me tornar nem um ateu e nem um religioso cego.
Outros filhos podem não ter a mesma sorte e nesse caso não será afastá-lo das pessoas (Internet hoje são pessoas) ou de fontes de informação (jogos, livros, filmes, tv…) que tornará as coisas mais fáceis para eles.
Pronto. Agora estou pronto para ler os artigos do Setzer.
Olá, não sei ou não me lembro de seu nome; você não fez a gentileza de colocá-lo em sua contribuição “O que a tecnologia fez com a minha infância?”
É muito comum eu encontrar argumentos como os seus: “Eu vi TV, joguei joguinhos eletrônicos, e sou absolutamente normal!” Em minha conceituação, os meios eletrônicos prejudicam enormemente as crianças e adolescentes. Se um deles não apresentar sintomas explícitos de disfunções psicológicas ou psíquicas, isso não significa que não poderia ser muito melhor se não tivesse estado sujeito aos aparelhos. Por exemplo, quem sabe quem sabe essa pessoa teria muito mais fantasia, seria muito mais criativa. Quem sabe ela teria muito mais sensibilidade social, compaixão e responsabilidade social. Quem sabe seria muito mais amável e menos agressiva (está mais do que provado que programas de TV e joguinhos violentos induzem agressividade — às vezes, pode ser mesmo verbal, não precisa ser física). Enfim, nunca se pode dizer: “com ou sem isso ou aquilo, tornei-me ótimo”, pois sempre se poderia perguntar se sem ou com isso ou aquilo não se seria ainda melhor. Uma das influências que tenho certeza de ser consequência dos meios eletrônicos é uma mentalidade materialista (isto é, a idéia de que só existem processos físicos no universo). Agora, você teve um aspecto muito positivo: leu muito. Só que parece-me que em alguns casos a leitura não era adequada para a idade.
Qunato à sua última frase, a grande diferença entre eu e quase todo o resto do mundo é que eu reconheço os males dos meios eletrônicos para as crianças e adolescentes, e os outros em geral não. E quando se reconhece que algo é maléfico para crianças e adolescentes, tem que ser evitado, não há meio termo; isso ocorre em várias áreas diariamente em todas as escolas e famílias. Quem sabe você estudando meus trabalhos mude de idéia ou aponte onde estou errado, para que eu mude. aaaaaaaaaaaa, VWSetzer
Realmente preciso ler seus artigos pois, como está colocado aqui a impressão é que ao seu ver a tecnologia causa um efeito mágico e negativo sobre o usuário independente da programação que exibe.
Este blog tem uma página “Quem sou” onde está minha foto, nome e alguns dados biográficos 😉
Estou lendo seus trabalhos e achei melhor comentá-los aqui mesmo em vez de abrir um novo post.
– Concordo que a tv pode ser informativa, mas não educativa, mas não a vejo como um destruidor da criatividade afinal, depois de assistir uma boa história nos divertimos criando outros finais, refinando os pontos em aberto e há até quem crie fanfics baseadas em filmes ou seriados de TV.
– Apenas um tipo de jogo é discutido no artigo que li, o tipo comum até o começo da década de 90: avançar e trucidar. São jogos que exercitam os reflexos e não o raciocínio. Nos últimos 10 anos os jogos são muito mais estratégicos e de grupo, em todo caso o exercício dos reflexos é útil também. Claro que não 8h por dia, creio que ninguém discordará de excessos, nem que seja de água. Ah! Seres humanos são animais e reações automáticas são características nossas sim! O tempo todo! Do contrário seríamos incapazes de andar, dirigir, jogar tenis…
– Não concordo que computador “simule pensamentos restritos” ele no máximo executa raciocínios lógicos e previsíveis de acordo com um roteiro. Pensar só humanos e alguns animais até onde sabemos. Pensar e raciocinar são duas coisas tão diferentes que não deveriam ser usadas na mesma frase
– As pessoas não ficam horas diante do computador esquecendo de suas vidas pessoais e trabalho, elas estão cuidando das suas vidas pessoais e trabalho, só estão trocando o telefone ou o papel e caneta pelo computador. A não ser nos casos de pessoas com problemas que, se não fosse para o computador, fugiriam para outra coisa, até mesmo livros…
– “O computador nos faz pensar matematicamente porque sua lógica é matemática”… A princípio não faz sentido para mim… Vou observar se pessoas com problemas com lógica matemática tem problemas para usar o computador.
– Os erros cometidos em computadores são mentais, lógicos etc e por isso são ignorados… Não entre as pessoas que estão já estão vivendo na era do conhecimento… E creio que os apedeutas acabam aprendendo algo com o corretor ortográfico (que a propósito não conhece a palavra apedeuta)
De tudo que li até agora no entanto concordo em usar a televisão como instrumento de informação e não de educação, isso pode ser positivo, no entanto o radicalismo das suas idéias ao meu ver prejudica o que elas tem de bom.
É difícil não pensar na aplicação das suas idéias ao uso do telefone, a uma conversa entre duas pessoas ou mesmo em assistir uma palestra, casos em que também ficamos praticamente parados etc.
Notei que a imaginação e sentimentos despertados por livros não são criticados, mas veja bem que também são uma forma de restringir a criatividade e sentimentos do leitor já que ele não está escrevendo a história, isso sim um exercício fantástico de criatividade e da empatia (ao criar vários personagens diferentes de nós mesmos).
Há muitas pessoas que são incapazes de criatividade e se viciam em livros que chegam a ler dezenas de vezes em uma clara demonstração do que disse acima.
Volto a dizer que o problema não está nos livros (ou na TV, no jogo etc.) mas no ambiente em que a pessoa está inserida e não lhe permite desenvolver suas potencialidades.
Bem, tenho muito trabalho e vida pessoal para cuidar agora e a leitura dos seus textos está prejudicando minha criatividade e psicomotricidade porque só movo os olhos levemente para lê-los 🙂 hehehe!
Setzer,
Descordo. Sua opinião me parece incrivelmente retrógrada.
Me lembrei de uma professora de português que há mais de 10 anos falou no dia da fomatura “cuidado com o modem, ele afastará as pessoas”.
Abs.
ps. lembre-se que o fato de você reconhecer alguma coisa não significa que isso seja verdade.
Haha! Adorei o “ter alguns problemas com relação à retenção de bens materiais”.
Os comentários do Sr. Valdemar carecem de uma definição de premissas. Sem TV, jogos eletrônicos e computadores as crianças serão melhores sob que variáveis? Se, ao que parece, não desenvolver a lógica é tido como vantagem, então posso concordar.
Deve ser por isso que essas crianças desenvolvem uma mentalidade materialista e acabam acreditando que só há processos físicos no Universo, veja só. Isso explica tudo!
Deve ser por isso que eu também me tornei um materialista, sempre fui estimulado a ler e passava horas no computador de madrugada. Deve ser por isso que passei em primeiro nos vestibulares que fiz. Por isso que desenvolvi o mental em detrimento do esportivo — até o ponto que meu mental se tornou tão bom em julgamento, que ele entendeu que o físico me faria bem, e me tornei um esportista que raciocina. (Será que o caminho inverso teria acontecido?)
Richard Dawkins — votado entre os top 3 maiores intelectuais vivos — e Daniel Dennett também devem ter tido uma infância ruim. Eles também são materialistas. Me sinto em boa companhia.
Talvez eu não tenha desenvolvido uma boa compaixão ou responsabilidade ou sensibilidade social. Particularmente, agradeço a Darwin (sou ateu, veja só o estrago que a lógica faz!) e ao meu discernimento por isso.
Antes destes valores, há uma lista extensa de outros que minha razão coloca na frente: individualidade, independência, liberdade, força, produtividade, respeito à individualidade dos outros, grandeza, vontade de viver, julgamento objetivo, espontaneidade, curiosidade…
Um brinde à internet.
Roney,
acho que vc mostrou uma abertura maravilhosa para pensar na sua trajetória,para buscar relações com os possíveis malefícios das distorções ocasionadas pelo seu contato com cultura, para ampliar sua leitura dos textos do prof. Setzer e para comentá-los posteriormente. é assim que se promove a ampliação do conhecimento, é assim que é possível acreditar que há possibilidades de transformação no mundo, de aperfeiçoamento. em contrapartida, o prof. Setzer não se mostra capaz de descobrir seu nome no corpo do blog, não se dispõe a escrever seu argumentos -somente direciona as pessoas para sua própria página, e anuncia reiteradamente que aguarda que alguém, após estudar as suas idéias, argumente, para convencê-lo, no conforto de sua passividade, de que a verdade não é monolítica nem pertence a homem algum.
Onde está a criatividade? Onde está a possibilidade de aprendizagem nessa postura acomodada?
É TV e internet que faz mal para a formação?