Sou uma daquelas pessoas que, no jargão internacionalizado, são chamadas de early adopters, mas ainda prefiro o termo “pioneiros”.
Há 18 anos (desde 2004) tenho uma conta no Google que serve para o meu endereço principal de email e para tudo o mais, tudo o mais MESMO! É a conta do celular Android, que inclui registros de GPS, textos, planilhas, apresentações (feitas no Google Drive), login em quase todos os serviços online onde tenho conta, e são literalmente centenas.
E não tenho receio pessoalmente do domínio que o Google tem sobre quem eu sou ou o que eu penso, ainda que ele certamente use lá seus algoritmos para influenciar o que eu penso (tenho meus métodos para me proteger).
Então se você pensou que estou abandonando o Google por paranoia com a minha privacidade, então o título desse post está certo! Também está certo se você pensou que era por ativismo radical “abaixo as corporações!!” porque, e isso pode me queimar um pouco com parte da minha rede de contatos, não sou contra o capitalismo e nem mesmo contra as corporações.
Talvez a afirmação acima mereça um breve esclarecimento.
O capitalismo das mega corporações e da concentração de renda em que um punhado dos 99% sonha com a – quase impossível – possibilidade de estar entre os 1% é o ecossistema memético atual e não vai mudar nas próximas muitas décadas. Provavelmente nem nesse século.
Para quem está numa boa tudo bem fazer o ativismo por um futuro sistema melhor, aliás, é essencial, continuem! No entanto, para quem não está bem – e coloca bilhões de pessoas aí – existe a pressa e a inescapabilidade do hoje.
Resumindo: Temos que lidar com o que temos agora. Enquanto miramos em utopias temos que fazer pressão para que o que existe hoje seja o menos ruim possível. Tem até algumas coisas que podemos alimentar que são realmente boas.
E é aqui que começamos a chegar na minha razão para deixar o Google.
Mas antes tenho que deixar claro uma coisa: não estou fazendo um sacrifício nesse movimento. Não estou perdendo recursos ao deixar o Google para trás e nem precisa abandonar a gratuidade que ele oferece também, muito embora eu tenha decidido pagar por algumas coisas e esse é o ponto inicial.
O ponto inicial é que a gente devia dar apoio a modelos de negócio que favoreçam a gente e à sociedade e, por “favoreçam”, quero dizer que não usem os dados que coletam de nós para mapear as vulnerabilidades da sociedade para influenciar seu viés político e maximizar o consumismo como saída para o vazio que nos atormenta nesse período histórico com tantas mudanças profundas que nos deixam perplexos, perplexas, perplexes (e o gênero neutro aqui não é uma provocação, mas uma lembrança de mais uma coisa que causa perplexidade a muita gente). Me refiro também às que têm compromisso em informar a sociedade e não em defender os interesses de corporações que financiam a mídia jornalística de acordo com seus interesses, ou seja, lucrar o máximo investindo o mínimo. E, claro, estou falando nas iniciativas que realmente fazem do seu produto o nosso direito fundamental a privacidade, intimidade, segurança etc.
O parágrafo acima pode parecer um pouco com um texto ativista radical, mas convenhamos, não dá para pegar leve quando vemos milhões de pessoas morrendo no mundo por uma pandemia que tínhamos tecnologia e conhecimento para conter; quando vemos religiões sequestradas para propagar ódio em vez de amor; enquanto vemos a mídia e o marketing nos enganando a tal ponto que adoecemos por comer ou por não comer. O custo da relação escusa entre o enorme poder capital do Agronegócio, da indústria de armas e outras corporações está alto demais para sermos pessoas plácidas e suaves.
Voltemos ao “Dar apoio a modelos de negócio que nos favoreçam “.
Um dos maiores problemas do modelo capitalista atual (até para o próprio capitalismo atual) é a aglutinação dos negócios em torno de poucos controladores. Temos O Google (ou A Alphabet se preferir) e ninguém mais lembra do Yahoo, que seria um concorrente, mas agora simplesmente sobrevive. Temos A Meta, dona da vida social de quase todo mundo. A grande mídia parece mais diversificada, mas até parece que são como aquelas holdings que vendem tanto o sabonete vagabundo sob uma marca quanto o de luxo sob outra.
O que nos leva a nos submeter a uma certa prisão dos hegemônicos é o receio das alternativas sumirem e isso aconteceu muito no começo da Internet, mas hoje existem modelos alternativos para encontrar suporte econômico. Além disso o custo de manter essas estruturas de hardware e software hoje é muito menor. Gente! O Plurk, uma alternativa ao Twitter, continua vivo! Não me perguntem como.
Há pouco tempo escrevi um post sobre como o Signal (alternativa ao WhatsApp) consegue se manter. Tem o modelo do Proton.me que oferece um serviço gratuito de email, armazenamento, VPN e agenda que é suficiente para qualquer uso pessoal e viabiliza isso com os usuários pagantes (entre os quais me incluo). Para quem quer um concorrente com um leque de recursos parecido com o do Google (até mais abrangente) tem o Zoho, que segue um modelo de negócio parecido com o do Proton.me (mas sem o mesmo compromisso social).
Mas esse post não é um curso de alternativas e sim uma introdução e uma explicação para quem quiser saber por que meu email agora é @proton.me.
Ah! E o buscador, Roney? Como viver sem o Google? Bem, essa troca eu já fiz tem um tempo (para o DuckDuckGo) e não foi por ativismo. O Google se esforça tanto para nos agradar com seus resultados que se tornou enviesado e nos dá resultados dentro da bolha do nosso viés. Tenho tido resultados bem melhores com outros buscadores que não tem o mesmo modelo de “nosso produto é a alma do usuário”. Mas concordo que buscador é uma ferramenta que ainda preciso repensar melhor. Tá faltando alguma coisa… Talvez sequer usar buscador indo diretamente a fontes chave de informação com vieses que se completem, como uma Agência Pública e um Estadão ou uma BBC e uma Forbes… Nem tão diferentes no caso.
Sobre a imagem que escolhi para ilustrar o post: Estamos sempre diante de encruzilhadas e isso é bom, é fruto da nossa diversidade de opções e de caminhos que podem nos levar até ao mesmo destino, mas passando por experiências diferentes. As escolhas não precisam ser pesadas, não precisam ser entre um bom e um mau caminho.
Imagem por Mike Enerio no Unsplash


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