Ontem dezenas de milhares de pessoas, talvez até muitos milhões, apagaram as luzes da sala por uma hora em um gesto simbólico pela redução da nossa interferência nociva em nosso próprio habitat. Várias iluminações públicas ostensivas foram apagadas também como o Arco do Triunfo e nosso senado.
Os 1,6 bilhões de pessoas que não tem acesso a luz elétrica se desculpam por não ter parcipado.
Que impacto tem um gesto simbólico?
Nós praticamos gestos simbólicos quando não podemo agir, quando nossas vozes foram silenciadas ou nossas mãos foram atadas.
No início desse ano houve um “debate” sobre a lei de cibercrimes (chamada lei Azeredo) na campus party e não pudemos falar… No momento das considerações finais do representante do senador Azeredo nos levantamos e viramos as costas em gesto simbólico de protesto.
… E corremos para nossos blogs depois para falar!
Lá se vão três meses e além de falar estamos agindo, você também devia agir! Agora mesmo mandei a sugestão abaixo para o Aulete Digital:
Saudações,
A palavra vigilantismo ainda não existe nem mesmo no Aulete Coletivo (estou em outra aba sugerindo a sua inclusão), mas já atinge todos nós.
Talvez vocês já estejam cientes do PL 84/1999 chamado Lei Azeredo e do impacto negativo que ele terá sobre todos nós, inclusive a viabilidade do Aulete Digital ou mesmo o em papel uma vez que um país cuja liberdade de expressão é restrita as palavras são as primeiras vítimas…
Estou aqui portanto para sugerir que vocês abordem esse assunto uma ou duas vezes por mês no serviço “palavra do dia”. Há várias que abrem espaço para isso como democracia, senador, deputados, governo, fascismo etc.
Sugiro a leitura do blog do Sérgio Amadeu.
Escrevi recentemente um artigo que pode servir de ponto de partida para sua pesquisa: Campus Party – Levante sua Voz
E quando ao aquecimento global?
Nossos gestos simbólicos vão deter o trem? Eles são tudo que nos resta? Não há uma palavra que possamos dizer, uma ação que possamos iniciar para efetivamente preservar o habitat mais adequado à vida humana?
E quanto às condições mínimas para uma pessoa se considerar humana como o acesso a água potável, energia e educação que mais de um bilhão de pessoas não tem? O que faremos efetivamente por isso?
- Você consome além do que precisa?
- Você pressiona seu prédio para fazer coleta coletiva?
- Já se aproximou das organizações civis que procuram melhorar as condições de vida na comunidade mais próxima da sua casa?
- Quantas vezes por ano você escreve sobre o que pensa sobre meio ambiente e justiça social?
- Quantas horas por semana apaga as luzes e se dedica a pensar no que você pode fazer pelos outros?
- Quantas vezes por semana ajuda alguém?
- O que você ensina com seu exemplo a quem te conhece…
- O que o seu exemplo ensina a quem não te conhece?
A lista de quês, quantas, porquês e quandos é infinita e por isso uma hora de gesto simbólico por ano significa absolutamente… nada.
Oi, Roney.
Não entendi muito bem a sua conclusão. A Earth Hour é um gesto simbólico, naturalmente, e de conscientização. Faz com que as pessoas pensem um pouco mais na energia que gastam. Em Toronto, a Earth Hour foi celebrada no ano passado com 7% de economia e este ano com 15%, mas o que mais me surpreendeu foi a notícia de que neste último ano o consumo de energia caiu um pouquinho com relação ao ano anterior.
Por exemplo, uma coisa que me espantou muito aqui foi constatar que, como nos prédios o valor do aluguel é fixo e inclui água e energia, muita gente deixa tudo aceso ao sair de casa — afinal, não são eles que pagam a conta. Pois bem: se a Earth Hour fez com que algumas dessas pessoas decidam apagar a luz ao sair de casa, será que não significou nada?
Fora que uma coisa puxa outra: a conscientização sobre o clima acaba levando também a discussões sobre o uso de plásticos, produtos descartáveis, etc. Aqui os sacos plásticos estão sendo reduzidos drasticamente; muita gente está começando a usar garrafas térmicas e a dispensar as de plástico, etc.
É claro, não está ao alcance das pessoas comuns mudarem a indústria de plásticos nem descobrirem energias alternativas autosustentáveis, nem mudarem as leis. Mas elas estão dizendo que estão dispostas a fazer sua parte dentro do seu dia a dia, do que está a seu alcance.
Mas estou aqui há menos de dois anos e já presenciei várias mudanças, tanto no hábito das pessoas como na legislação local. A participação popular nas decisões públicas é enorme, tanto em manifestações contra decisões do governo quanto em enquetes e opiniões, cujo resultado é rapidamente usado pelos governantes para mostrar serviço.
O fato de que em outras regiões do mundo há populações sem saneamento básico é um universo distante demais na cabeça de um canadense ou um australiano, mas uma coisa não invalida a outra. Uma vez, no Brasil, eu presenciei uma discussão entre dois amigos: um fazia serviço voluntário numa favela, dando aulas de informática em um curso. O outro argumentava que era ridículo dar aulas de informática enquanto havia gente analfabeta.
Eu acho que se cada um fizer gestos — em parte simbólicos, em parte concretos — dentro das esferas em que interage e ligados a seus interesses pessoais e profissionais, atividades com as quais cada um se identifique, seja saneamento, artesanato, alimentação, informática, circo, criancinhas ou pinguins, o mundo como um todo muda para melhor, sim. A mudança começa de baixo para cima, e as pessoas precisam ser lembradas desse fato. Senão, ficam esperando tudo vir lá de cima. Só que ninguém lá em cima se mexe sem pressão dos eleitores.
É claro que no Brasil muita gente se mobiliza para resolver mil problemas, mas de modo geral só se fala coletivamente em “cidadania” em época de eleição. Aí, por quatro anos, a gente fica esperando os políticos fazerem milagres. Pouca gente tira a bunda da cadeira para fazer gestos, concretos ou simbólicos. E quem faz gestos simbólicos muitas vezes é tachado de inútil ou hipócrita.
Aqui são promovidos e noticiados gestos simbólicos o tempo todo: é a caminhada do câncer de mama, a quermesse para o hospital do coração, a festa disso, a limonada daquilo. Aí uma menininha vendeu pulseirinhas e doou 10 mil dólares para um abrigo, outro garoto promove uma caminhada beneficiente e doa trocentos mil dólares para um hospital. E você compra a florzinha para sustentar os veteranos de guerra, doa roupas para a Goodwill ou até faz eventos para ajudar determinada família ou comunidade que enfrentou alguma calamidade. A mobilização é rapidíssima e eficiente, sem demagogia.
Eu participei de muitos eventos de caridade no Brasil. Mas costumam ser “eventos”, não exatamente parte do dia a dia e da formação básica das pessoas.
Claro que é fácil falar de uma “megalópole” de 5 milhões como Toronto, em um país bastante desenvolvido e com pouca gente na linha da miséria. A demografia no Brasil é totalmente outra. Mas é justamente por isso que eu acho os gestos simbólicos importantes: eles não custam nada! Mas eles ensinam e integram as pessoas, e isso acaba sendo transmitido. É mais uma questão de valor do que de utilidade. Certos valores precisam crescer junto com as pessoas, senão nunca vão se tornar parte da ideologia.
Bem, atos simbólicos servem pelo menos para abrir espaço para o diálogo.
Sei como vc trabalha e tenho uma idéia do custo do tempo que você passou escrevendo isso… É esse tipo de disposição que está nos ajudando a mudar o mundo! Me dá lágrimas nos olhos…
Posso estar errado, é claro, mas tenho a impressão que muita gente aqui no Brasil pensa “Tá bom, tá bom! Já apaguei a luz por uma hora, salvei o mundo! Amanhã eu repasso aqueles emails e salvo a humanidade”
Muita coisa está mudando e precisa mudar mais rápido em países como o Brasil do que em outros.
Já é hora de percebermos que não somos pessoas comuns, nossos pais eram…
Nós temos o super poder de lançar nossas idéias e vozes ao ar onde elas circulam pelo mundo e podem ser ouvidas por todos os outros humanos na terra.
Até mesmo as populações mais miseráveis estão sendo alcançadas pela voz coletiva que se propaga na Internet. Até aquele 1,6 bilhão de pessoas sem eletricidade.
Nós podemos fazer muito mais do que gestos simbólicos! Nos podemos nos encontrar, podemos debater e podemos sim mudar as leis, a indústria e a economia.
Quem “está lá em cima” não são mais eles, somos nós. É por isso que surgem tentativas de cercear, restringir e controlar o nosso espaço público, a Internet e foi por isso que juntei as duas coisas no mesmo post.
Ao final de tudo isso me pergunto se a minha ótica demasiadamente ciberpunk pode estar me cegando. Talvez você esteja certa… Hummm… É bem provável que esses gestos simbólicos sejam realmente uma porta para que mais pessoas pensem no poder que tem e acabem chegando a tudo isso que eu disse…
Bem, como de costume deixo ali o post como foi escrito, se no futuro ficar claro que eu fui um idiota servirá para me lembrar de ser humilde! 🙂
Ahn, estou monopolizando seu blog… Mas sei que você nem gosta de ficar horas discutindo sobre qualquer coisa, então vamos lá.
Eu não discordei exatamente de você, não. Eu concordei totalmente com os primeiros 2/3 do texto, mas o 1/3 final me surpreendeu porque a conclusão é a oposta da minha.
Um pouco mais de contexto e embromação (é melhor do que trabalhar no domingo à noite):
Estar fora do Brasil está mudando muita coisa na nossa cabeça, às vezes de um jeito meio difícil de entender. Nossos valores mudam mas nem sempre a sensação é boa; é meio difícil de explicar. Mas uma das coisas que mais me magoam é constatar — agora mais claramente do que antes — que o que mais atrasa o Brasil é a mentalidade das pessoas. O comodismo, o “jeitinho”, a desculpa fácil para não tirar a bunda da cadeira. Percebi como a gente (eu me incluo) é cínico e preconceituoso.
Para nós, à primeira vista os canadenses parecem incrivelmente ingênuos. Eles partem do princípio de que todas as pessoas são bem intencionadas. De que quem pede dinheiro na rua realmente precisa, e não é um drogado vagabundo. De que o que você diz é verdade. Mesmo para fins burocráticos, raramente pedem comprovação. Jamais alguém me pediu para mostrar meu visto de trabalho — já perguntaram se eu tinha visto, eu disse que sim e ficou por isso mesmo, minha palavra vale. É MOLE burlar o sistema público de trânsito e não pagar passagem, mas não se vê gente fazendo isso.
Demora um tempo, mas isso vai entrando na gente. Até porque a vida é muito mais fácil e simples assim. E feliz, sim. Drogados vagabundos americanos vêm pedir esmola aqui porque os canadenses os ajudam, ao contrário dos americanos. E da primeira vez que eu vi a notícia de alguma menininha que vendeu limonada o verão inteiro e depois doou MUITOS milhares de dólares para alguma instituição eu fiquei besta, mas esse tipo de notícia é comum. É uma mentalidade que vem de berço e que faz uma diferença enorme na vida das pessoas. A gente sente isso na pele aqui. O jornal tem uma sessão chamada “Acts of kindness” para onde as pessoas escrevem relatando pequenos atos bons que estranhos fizeram com elas — às vezes bobagens, às vezes em situações sérias. Só o fato de um jornal dedicar espaço para isso já é marcante para mim.
Mas voltando à vaca fria: este fim de semana tivemos um semi-parente americano aqui, muito bacana, cabeça-aberta e culto. Disse que jamais tinha ouvido falar em Earth Hour até pousar em Toronto. Não comentou o fato, mas pareceu achar ligeiramente cômico o fuzuê todo em cima desse evento. (Toronto MORRE de orgulho de participar desse movimento, assim como de qualquer outro ato cívico etc.)
Eu fui entrando no clima, confesso. Não só disso, mas de tudo o que mencionei. (Tipo: no supermercado, quando você diz que tem sua própria sacola, a mulher do caixa diz “Oh, thank you!” — como se não usar mais plástico fosse importante para ela, e a gente vai se sentindo bem com cada pequeno gesto que a gente faz.) Durante a semana, recebi e-mails brasileiros divulgando a participação Rio na Hora do Planeta e senti o maior orgulho pela adesão.
Mas hoje vi muitos comentários (dentre os quais o seu foi o mais sensato) na linha de que apagar a luz durante uma hora e se sentir bem por salvar o planeta é hipocrisia.
Você disse:
[Posso estar errado, é claro, mas tenho a impressão que muita gente aqui no Brasil pensa “Tá bom, tá bom! Já apaguei a luz por uma hora, salvei o mundo!”]
Mas muito do que eu ouvi foi exatamente o contrário: de que serve apagar a luz durante uma hora e usar detergente que polui o rio? Coisas do tipo. A lógica é: se apagar a luz durante uma hora não vai salvar o planeta, para que fazer esse gesto hipócrita e tolo? E só se reforça a postura acomodada. Os outros são ingênuos, se sentem bem apagando a luz. Os brasileiros é que são malandros, sabem que isso não resolve nada então vão ver futebol na TV. Isso é o que me entristece dos comentários que ouvi de MUITA gente metida a consciente e moralista. Acusam os outros de hipócritas e se sentem isentos de responsabilidade.
Justamente o que acho gostoso da vida hipócrita daqui é que hoje você apaga a luz uma hora, outro dia planta uma árvore, outro dia ajuda os velhinhos no asilo, outro dia participa de um evento artístico comunitário, e por aí vai. Sempre tem pequenos gestos rolando, envolvendo famílias, comunidades, fazendo você se importar ora com os pobres, ora com as focas, ora com os livros, e basicamente ensinando as crianças a se importarem com todas essas coisas e pessoas à sua volta e a saberem que elas sempre têm que fazer sua parte.
Confesso que me sinto ingênua e um tanto quanto palerma dizendo tudo isto. A gente perdeu boa parte do nosso cinismo característico aqui. Mas faz a gente se sentir bem mais leve também.
Obrigada pelo espaço. Não vou monopolizar mais.
🙂
Pode monopolizar quanto quiser! E como a minha conclusão é mesmo negativa será ótimo se vc mostrar que eu estava errado.
O extremo oposto que você mostrou, do pessoal “esperto” que não apagou as luzes e nem fará nada por nada ou ninguém é bem pior do que o ingênuo que apaga a luz, acende meia dúzia de velas que terão um impacto pior e acham que fizeram algo.
Pensar 1h por ano que está fazendo algo de bom é infinitamente melhor do que passar todas as horas do ano pensando em jeitos de ser mais egocentrado e egoísta.
Olha, não te acho nada palerma!
A gente não tem como medir o efeito desses movimentos simbólicos, mas agora está me parecendo meio óbvio que seja qual for não será para o mal e sim para o bem.
O pessoal que apagou as luzes, que berrou na janela para os vizinhos apagarem também, pelo menos está preocupado!
É bem verdade que um deles, amigo meu, não estaria disposto sequer a trocar o jornal de papel pelo de livro porque ele gosta mais do papel e… bem, vc entendeu.
Raramente modifico ou apago posts meus e quando faço isso não é para evitar que vejam alguma besteira que eu digo 😉 esse post ficará aqui, mas vou me contradizer lá no roney.com.br 😉