Photo credit: Dr Case via Visualhunt / CC BY-NC
Aparentemente uma quantidade de pessoas está ecoando essa carta aberta aos brasileiros escrita por Mark Manson.
Diego Quinteiro já escreveu uma boa carta aberta a Mark Manson que tem esse ótimo trecho logo no início:
Realmente essa é a essência da falha nas análises de Mark Manson: a crença de que podemos entender o mundo a partir da nossa visão e viés pessoal.
Decidi aproveitar a oportunidade para explorar o que leva muita gente a se deixar convencer por uma sequência de falácias e pensamentos desconexos e enviesados.
Em primeiro lugar, quem são esses dois? Mark Manson e Diego Quinteiro? Então, não tem a menor importância quem eles são. Prestar atenção a isso é iniciar pela falácia do apelo à autoridade. Ideias precisam se sustentar sozinhas, sem necessidade de serem validadas por uma autoridade. Então pule sempre toda a parte do texto (ou do vídeo quando for o caso) em que o proponente da ideia procura nos convencer que ele tem alguma autoridade para falar naquele assunto.
Devíamos notar que estamos diante de um texto sem qualquer validade logo no começo quando Mark acusa o leitor de ser culpado dos problemas do Brasil.
Evoluímos para viver em tribos de menos de 150 indivíduos e nesses casos realmente cada um é uma peça importante no grupo. Instintivamente a afirmação faz sentido.
Nesse ponto começa o fracasso da nossa capacidade de reconhecer uma linha de raciocínio quebrada: faz sentido para nós.
Já alertei em outros posts para sempre ativar um alerta quando uma ideia que diga respeito à sociedade, à civilização, ao Cosmos fizer sentido. Provavelmente estará errada. MUITO provavelmente.
O que podemos fazer é reduzir o universo para algo que caiba em nossa imaginação e com isso testar a premissa. Por exemplo: qual é o papel de uma gota de açúcar em 200 milhões de gotas de água?
É claro que, poucas linhas depois, Mark altera sua premissa afirmando que a culpa é da nossa cultura.
Uma cultura é resultado da história, da interação dos indivíduos com seus grupos, dos grupos com outros grupos e daquela cultura com outras. Percebe o tamanho desse móbile?
A partir daí o texto é uma bola de neve de desastres lógicos, mas nesse ponto já estamos emocionalmente seduzidos pelo apelo emocional.
Faça o exercício. Leia o texto extraindo cada hipótese e evidência e descartando os enfeites. Um mapa mental (Mindmap) é uma ótima ferramenta para isso. Depois observe o resultado.
Mas preciso de segurança!
Isso é assustador! Nunca vamos conseguir entender o mundo e essa insegurança é desesperadora!
Realmente.
No entanto também é desesperador ter uma visão distorcida da realidade. Seja otimista, seja pessimista ou até que, casualmente, corresponda mais ou menos à realidade, mas não pelos fatos certos.
Por exemplo: o Brasil será inabitável em 22 anos por causa das mudanças climáticas, mas pensamos que ele será inabitável em 22 anos por causa da corrupção. Ora. Acertamos no prazo e no resultado, mas não na causa e portanto seremos incapazes de alterar nosso destino.
Infelizmente não posso oferecer uma fórmula para sentir segurança pois há uma infinidade delas de acordo com nosso perfil, viés, conhecimento, interesse etc.
O que podemos dizer é que nossa espécie, de um modo geral, não se preocupava com os rumos da espécie, não assumia para si o poder e muito menos a responsabilidade de mudar o mundo e podemos continuar fazendo isso se percebermos que entraremos em desespero diante do desafio diante de nós.
A realidade é que nosso esforço positivo ou negativo terá impacto irrelevante nos rumos da nossa cultura e menos ainda da cultura global.
Isso não quer dizer, entretanto, que devemos jogar tudo para o alto! Muito pelo contrário.
O mesmo dispositivo falho que nos faz “sentir” que faz sentido que a responsabilidade pela cultura de 200 milhões de pessoas está nos nossos ombros também nos faz ter uma grande sensação de realização quando somos uma gota positiva nesse oceano de humanos, nesse universo de ideias (já que cada humanos é veículo para milhares delas).
Seja uma gota positiva.
Talvez sua ideia de “positivo” seja na verdade ruim para a humanidade, homofobia, por exemplo, parece positiva para algumas pessoas hoje, assim como o racismo parecia correto para quase todo mundo até o século passado. Mas isso não importa, você terá uma sensação de segurança ao ser uma gota positiva e se sentirá um rio caudaloso de boas influências para o planeta.
E se eu não quiser segurança, e sim a realidade?
Isso é simples!
Não teremos a realidade 😉
Essa consciência é a chave para nos mantermos sempre humildes e a caminho, sempre no processo de tentar entender melhor os nossos universos.
É assustador pois é como andar na neve funda ou num pântano, mas é o que temos.
Vai depender do seu perfil. Saiba reconhecê-lo e escolher seu caminho com sabedoria.
Acabei fazendo uns comentários no Facebook que merecem vir para cá:
É porque eu decidi não comentar o que vejo de errado em cada ideia dele, aí parece que impliquei com ele.
Quer dizer, conforme as falácias e análises superficiais iam se acumulando fui implicando com ele, mas não impliquei com as ideias por causa dele, impliquei com ele por causa das ideias 😉
Outro cara escreveu uma boa resposta comentando os erros na abordagem do Mark. O link tá no começo do meu post.
Mas o ponto chave é que essa ideia de que uma sociedade muda de baixo para cima parece fazer sentido porque nossa mente entende a sociedade como se fosse um punhado de pessoas, mas não acontece.
Iluminismo, direitos humanos, revolução francesa (e as bases da democracia moderna), feminismo, voto universal, liberdade religiosa…
Casa grande mudança (e também as pequenas) partem de uma minoria e muitas vezes vingam contra a vontade da maioria.
Ainda bem! Senão teríamos que esperar a maioria dos 200 milhões de brasileiros se tornarem mais conscientes para mudar algo no país.
Outro ponto muito falho no texto do Mark é ignorar as interações sócio culturais.
O jogo global econômico dificulta muito a redução da corrupção por exemplo em países em desenvolvimento com ricas reservas naturais como o nosso.
Se a gente sintetizar o texto do Mark veremos que ele reduz o coletivo ao somatório das partes e reduz ainda as partes aos estereótipos do grupo construídos basicamente pela “impressão” pessoal dele. Isso nunca funciona para entender um grupo humano com mais de uns poucos milhares.