Dossiê Telegram: resumo e recomendações

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A Wired compôs um ótimo dossiê do Telegram e dos irmãos Durov, que o criaram e controlam em rédeas curtas além de construírem uma narrativa heroica e rebelde em torno da sua história.

Vamos mergulhar no assunto do alto para baixo. Acho que assim ficará mais claro.

A maioria de nós precisa de uma alternativa ao WhatsApp porque ele está muito interessado em mapear e influenciar o nosso comportamento e pode ser um dos responsáveis pelas propagandas que vemos em sites que visitamos ou mesmo nas redes sociais que frequentamos. Não só as nossas, mas também as das pessoas que achamos que são doutrináveis… Na verdade todas nós somos, mas podemos não estar prontas para pensar nisso.

Seja como for, sabendo ou não, precisamos de meios de comunicação livres de algoritmos que manipulam nosso fluxo de informações.

O Telegram se coloca como uma alternativa não ideológica aos Messenger e WhatsApp da vida, e isso, a propósito é meio incômodo, já que sabemos que tem de quase tudo ali do lado.

Ele não para aí, como sugere o título do dossiê da Wired, ele pode ser um tipo de rede social livre de ideologia.

A essa altura temos que nos lembrar que tudo que é “sem ideologia” na verdade tem alguma ideologia. No caso do Telegram ele abriga praticamente qualquer ideologia, inclusive as que não passam de formas de crime do ódio disfarçadas de ideologia. E, apesar de não aplicar (por ora) algoritmos nos enormes grupos e canais, ele é um dos principais centros de distribuição de seitas conspiracionistas.

A grande justificativa é que a liberdade de expressão tem que ser absoluta, ou não existe liberdade de expressão, afinal se houver algum dispositivo que defina o que é e o que não é livre, quem vigiará os vigias?

É assim que a liberdade de expressão começa a ser pervertida dando espaço a qualquer tipo de delírio. Assim como a “ausência” de ideologia não existe, também as expressões são restringidas pela suposta liberdade de “anti-expressões”. Para ficar claro: se podem se formar matilhas de perversos que constrangem ou ameaçam quem apresenta ideias que elas rejeitam então apenas os perversos terão liberdade; a liberdade de suprimir a liberdade.

No entanto a estratégia cola para muita gente e permite aos irmãos Durov posarem de heróis da liberdade, quando sequer são já que, leia o dossiê, eles também impõe restrições, algumas vezes por motivos torpes.

Vejamos onde estamos até aqui, então.

O Telegram, por enquanto, é mesmo uma plataforma que não vigia, nem tenta manipular as pessoas comuns como você (suponho) e eu. Não se pode dizer o mesmo, claro, de alguém com grande poder ou destaque público.

É prático ter apenas dois aplicativos de comunicação: o WhatsApp porque somos quase obrigadas, e o Telegram que é um canivete suíço que pode cumprir inclusive o papel de rede social para, por exemplo, centenas de milhares de trabalhadores de um setor tentando se organizar.

Esse foi o resumo 😆

Vamos às recomendações…

Ora, quase tudo que usamos nos vigia, do Google ao Facebook, passando por prestadoras de serviços básicos (que compartilham informações nossas com o FB. Quem usa o Firefox com a extensão Facebook Container sabe bem) e diversos sites e redes sociais.

Nos sentimos impotentes como diante do nosso impacto no meio ambiente e esse talvez seja um dos maiores golpes de conformismo que temos sofrido. E não é verdade. Há muito que pode ser feito, começando pelos políticos em que votamos e nossa vigilância sobre eles apoiando mídia e organizações independentes, mas isso é – quase – outra história.

De certa forma a Internet é igual aos espaços offline: nós sabemos que não podemos ter certos comportamentos nesse ou naquele lugar público, que não conhecemos os códigos de vestimenta ou comportamento para aquela balada.

Do mesmo jeito o ideal seria sabermos ao menos que o WhatsApp procurará monitorar o máximo possível do que fazemos, que não temos como ter certeza se o Telegram é substancialmente diferente, que o Facebook nos rastreará em sites fora dele se não impedirmos, que o Google provavelmente é bem mais enxerido ainda que o FB e que talvez o melhor fosse nem usar o serviço de email dele a essa altura, principalmente se nos incomodamos com aqueles anúncios que parecem ler nossas mentes.

Todavia você (e eu) provavelmente não teremos alternativa além de usar pelo menos o WhatsApp, o Instagram e/ou Facebook, ah! ou o Messenger além do Telegram e… Bem, cada um sabe os cantos online inescapáveis para manter sua comunicação.

A melhor recomendação que posso dar talvez seja: entenda que sua comunicação pode ser vigiada. Talvez não suas conversas, mas pelo menos com quem você fala, em que links clica etc. E no Telegram nem o conteúdo das conversas é seguro.

Se temos um grupo de amigues com quem combinamos um jogo de futebol, uma trilha, uma praia certamente não faz muita diferença por onde nos comunicaremos. Nenhuma superpotência global ou digital está interessada em roubar a bola.

Por outro lado, se vivemos em uma região onde atuam forças antidemocráticas, milícias ideológicas fascistas ou organizações religiosas que distorcem suas religiões para conquistar poder político (infelizmente isso é praticamente qualquer região no planeta hoje), então pode ser muito recomendável manter aplicativos seguros de email (como o Proton.me), de mensagens (o Signal serve bem) e uma proteção para a sua navegação (o Proton.me é, novamente, minha recomendação) que sejam funcionais em suas formas gratuitas e tenham modelos de negócio que permitam continuar gratuitas sem ter que te transformar em produto.

Em tempo: tem empresas cujo modelo de negócio é te vender privacidade, como Dropbox e Apple (por enquanto). São boas opções para quem pode e quer pagar, mas não custa nada ficar de olho.

Você pode ter zero preocupação com sua privacidade e anonimato online, mas sou capaz de apostar que você abaixa a voz ou pelo menos se incomoda quando alguém na mesa ao lado está tentando ouvir sua conversa. Não devíamos ser diferentes online.

Na pior das hipóteses, com poucas medidas como essas, vemos muito menos anúncios “telepáticos” e nos sentimos muito mais a vontade online. Como quando andamos por um parque arejado numa tarde de outono… Tá… nem tanto 😉

Um resumo do resumo

Percebi que não pontuei os pontos principais do dossiê sobre o Telegram.

  • Os irmãos Durov, e não é nenhuma surpresa, não são super heróis incorruptíveis, ou seja, não tem como saber com certeza o grau de controle deles sobre nosso conteúdo e menos ainda sobre seus planos
  • Nunca esqueça que apenas os chats privados de um a um podem ter criptografia ponto a ponto, ou seja, que – supostamente – nem o Telegram tem como ver. Todo o resto talvez possa ser espiado.
  • Os Durov são exímios em criar uma narrativa de heróis perseguidos pelos malvados governos globais, mas esse não parece ser de fato o caso, lembrando que a sede do Telegram hoje é em um estado totalitário.
  • As jogadas econômicas em torno da criação do Telegram são, no mínimo, confusas. Isso me lembra, inclusive, que temos que tratar essas plataformas como voláteis: não guarde nada muito importante exclusivamente lá.
  • Não dê em cima de alguém em quem os Durov estão romanticamente interessados…
  • O modelo administrativo internamente parece ser beeem autoritário, fechado e concentrado nos dois irmãos que não compartilham dados importantes nem mesmo com o staff que, a princípio, devia participar.
  • Pelo Jeito Pavel Durov (a mente estratégica do Telegram) tem uma preocupante sintonia ideológica com Zuckberg: a crença de que cabe a eles decidir o que é liberdade de expressão. Essa SEMPRE tem que ser uma construção coletiva.

Foto por Daria Nepriakhina 🇺🇦 no Unsplash


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