“Não dou conta de administrar mais uma rede social”
Não é de hoje que ouvimos ou dizemos isso, mas nos últimos tempos aumentou muito a sensação de que as mídias sociais são um peso que carregamos. Já já vou falar porque estou chamando de mídias e não de redes sociais (mudei de ideia quanto à terminologia e expliquei nesse post).
Até 2008 (2004 para quem viveu os tempos do Orkut) as redes sociais eram exclusivamente offline com colegas de trabalho, de escola, da academia ou até de algum fandom. Na verdade tem pessoas ainda mais antigas que já habitavam redes sociais online no século passado, nos tempos dos BBS, mas era um nicho bem restrito. Talvez alguns milhares de pessoas no mundo inteiro, então vou desconsiderar.
O ponto a colocar aqui é que a humanidade veio a conhecer redes e mídias sociais de 2008 em diante com o verdadeiro tsunami causado pelo Facebook (que cobriu o pobre do MySpace) e pelo Twitter.
No começo eles eram redes sociais online e não mídias sociais. Chegou a hora de comentar essa distinção. Rapidinho, né?
Mas antes… Por que essa introdução?
Se preferir pule direto para a sessão Um outro mundo possível.
Acontece que “existir online” (a Internet se assemelha muito mais a um espaço físico do que a uma mídia) virou uma imposição para fazer parte da sociedade. Assim como já foi (e continua sendo) ter uma roupa de grife, um carro, estar nesse ou naquele grupo influente.
É parte da natureza humana, né? Mas uma coisa é carregar símbolos de status nas roupas ou mostrar proximidade das pessoas conhecidas na sua área, outra é a forma como a vida online assumiu um papel central em nossas vidas e no nosso tempo.
Penso que o que aconteceu é que tomamos como meta essencial de vida os 15 minutos de fama preconizados por Andy Warhol no século pasado, ou a esperança de chegar a eles.
Não é culpa só dos nossos instintos humanos. A mídia viu uma oportunidade preciosa de alcançar muito mais gente com marketing muito mais direcionado na Internet do que em qualquer outro lugar (Falei um pouco nisso em um post de 2014 sobre o Facebook se aproximando do modelo mainstream).
Isso é assunto para muitos posts ou até para teses de mestrado e doutorado (#FicaADica).
O que importa aqui é que as mídias e redes sociais online só existem de fato há 15 anos e continuam se transformando e por isso temos que entender o que são e como estão se transformando e nos transformando.
Continuando: Redes e Mídias sociais.
Vou usar aqui a definição que derivei a partir de um papo com o Roberto Cassano.
Uma rede social, seja online ou offline, é um espaço onde pessoas se encontram para interagir, trocar informações que lhes interessam, achar bolhas sociais (nunca entendi isso de ter que sair da bolha e se relacionar com quem ou o quê nos faz mal), compartilhar histórias e pensamentos pessoais.
Bares, parques, a sala da nossa casa, as mesas que ocupamos ao lado de uma piscina, o futebol e o churrasco depois são exemplos de espaços para redes sociais.
Uma dica: se é desagradável não é rede social ou não é uma bolha para você. Bem, ou você é uma pessoa introvertida, mas tem bolha para nós também!
Quando vamos a um evento gratuito produzido por grandes marcas que querem nos vender coisas estamos em uma mídia social. Não são tantos assim no mundo offline, mas acabaram virando quase onipresentes nos espaços online.
Sim, estamos falando aqui da Meta com seus Facebook, Instagram, WhatsApp e agora Threads; do Twitter, do Gmail e até dos demais aplicativos da Alphabet / Google.
No entanto tem uma diferença fundamental entre mídias sociais online e offline. Enquanto offline querem nos vender produtos que talvez não precisemos, online é possível vender mais, é possível nos vender, ou seja, influenciar nossos desejos, vieses e, desculpe pois vai soar conspiracionista, nossos pensamentos.
Aqui é necessário muito cuidado: não existe um controle global da humanidade nem por bilionários e muito menos por reptilianos, mas sempre existiu e continua existindo esforços para nos influenciar. Vale lembrar da propaganda “Eu tenho, você não tem” dito com o desdém da criança troll para deixar as nossas crianças desesperadas para ter aquilo e fazer parte das pessoas “cool”. Aliás, em 2009 já tinha gente perguntando em palestras de marketing “Como faz para manipular essas pessoas da Internet”.
Tenho que admitir que eu mesmo não vi mal em 2004 quando surgiu o Gmail e eu disse que era bom que as empresas conhecessem os nossos interesses para nos oferecer produtos relevantes para nós. Não percebi que era possível vender os consumidores para as empresas.
“Faça bem seu anúncio e transforme o tio do pavê em um terraplanista, negacionista, fascista desconectado da realidade”.
Em tempo (também tema para tese): o produto que nos apresentam muitas vezes é parte de uma rede de desinformação que nos deixa mais suscetíveis a permanecer naquela mídia e consumir as ideias que ela está “vendendo” de graça. Os algoritmos tem um papel importante nisso, mas é necessário estudar machine learning e deep learning para entender como acontece. Daí ser assunto para tese.
Resumindo: As redes sociais são onde interagimos, as mídias sociais são onde somos vendidas como produto ou onde nos empurram produtos ou vendem nossa atenção.
Um outro mundo possível
Pega a visão: Você está na sua rede social vendo sua TL e aparece um vídeo aqui, um longo post ali, uma foto, um texto curto. Sob eles os ícones para curtir, guardar, comentar, impulsionar para quem te segue.
É o que você faz hoje, né? Mas precisa entrar em meia dúzia de mídias sociais para ver todas as suas timelines.
Só que na visão acima cada post que você viu, comentou, guardou, curtiu ou impulsionou está em uma plataforma diferente. Um no Youtube, outro no Instagram, mais um no Twitter, outro em um blog e assim vai.
Tenho certeza que é uma visão de sonho para as pessoas que trabalham no marketing na era digital. Suas campanhas podem nascer em uma rede e ser impulsionadas por várias organicamente. Podem estar presentes apenas em uma plataforma e interagir com pessoas em todas as outras.
Observação importante: O protocolo que torna isso possível é aberto e definido e mantido pelo W3C, consórcio que define os padrões da Internet garantindo que todos “falem a mesma língua”. É como acontece com os protocolos HTTP da Web e de e-mail.
Isso não é utópico. Isso é o que o Instagram diz que fará com o Threads, que, dizem eles, se integrará ao “fediverso”, nome feio dado ao universo do Masdodon, que é apenas parte da “galáxia de posts curtos” enquanto existem galáxias de vídeo, fotos, páginas pessoais, blogs e qualquer outro tipo de presença online que podemos ter. Mais sobre isso mais abaixo.
Infelizmente esse mundo possível parece impossível não é? Afinal as coisas já estão estabelecidas: a gente se vende em troca de ter presença online gratuita. Quem vai pagar para manter essas galáxias no ar?
Bem… Hoje existem 25 mil instâncias no Fediverso. Uma das mais ativas do Brasil, a Ursal, é mantida por uma única pessoa.
Lembra na década de 90 quando se dizia que as pessoas comuns agora também tinham voz graças à Internet? Que tinha milhares e milhares de blogs espalhando informação de graça e onde as pessoas podiam se reunir nos comentários e tudo era mantido pelo blogueiro? Até hoje, a propósito, mantenho dois blogs meus e mais uns três do meu próprio bolso. Não é caro.
Também não é tão caro manter instâncias ActivityPub (o nome técnico do protocolo que permite criar o Fediverso).
Tá, mas como entender o tal Fediverso?
O que é o Fediverso, instâncias etc?
Eu sei que o nome é feio. Parece que é um verso que fede, mas vamos esquecer isso. Nomes acontecem hehehehe!
Acho que todo mundo conhece Guerra nas Estrelas, né? Pode nem gostar, mas deve ter uma ideia e, se não tiver, ainda podemos recorrer ao que sabemos sobre galáxias e sistemas solares.
Galáxias estão cheias de estrelas ao redor das quais orbitam planetas. Além disso galáxias se juntam em grupos de galáxias e depois tem grupos de grupos de galáxias e já basta irmos até aqui!
Agora imagine que cada galáxia seja temática. Em uma todos os planetas são tipo o Twitter, em outra todos são parecidos com o Facebook, em outra com o YouTube e assim por diante.
Vamos a um exemplo real.
Eu criei minha conta no “planeta” https://mastodon.social, que foi o primeiro a surgir no Fediverso. Nada me impede de me mudar para outro “planeta” levando junto comigo a lista de pessoas que me seguem e que eu sigo (cada uma continua em seu próprio “planeta”).
Todos os planetas e galáxias falam a mesma língua e, claro, a comunicação é praticamente instantânea (mesmo. Acho que segundos), então posso ver as coisas que alguém está publicando no planeta dele na galáxia de Instagram. O próprio Threads do Instagram, se vier a se integrar ao Fediverso, será um planeta na galáxia de planetas que publicam textos curtos.
É claro que você pode publicar fotos e vídeos em qualquer planeta, estamos falando aqui em aparência, em interface. Você pode dar uma olhada na minha conta na galáxia Pixelfed (tipo Instagram), no “planeta” Bolha.Photos para ver um perfil de fotos: https://bolha.photos/roneyb.
Agora é só chamar planeta de instância que você já pode conversar sobre o fediverso!
Parece complicado?
Entrei no Mastodon em 2018 e senti muita dificuldade de encontrar com quem conversar, mas nunca entendi dizerem que é complicado. Ainda mais que quase todo mundo já andou transitando pelo Facebook, que parece um monte de trem empilhado: página, fan page, perfil, grupos, interesses, notificações…
Quando entramos em qualquer rede temos um nome e uma instância: @Roneyb no Twitter.com, Roneyb no Youtube, Roneyb no Instagram, Roneyb no Mastodon Social. Então nada de diferente.
Aliás tem uma diferença, para mais fácil! Eu não preciso de outro endereço no Fediverso, mas preciso de logins e senha no Instagram, no Twitter, no YouTube, no Facebook, no Koo!
Não é por nada que as pessoas não aguentam mais as mídias sociais! É muita coisa para administrar.
Francamente, acho que o Fediverso é retratado na mídia como mais complicado por preguiça ou por estratégias de assessoria de imprensa muito bem sucedidas.
Mas isso merece mais um sessão.
Porque não pegou?
Primeiro que as pessoas não saem migrando de um lugar para outro assim do nada, principalmente quando se formou um bem sucedido consenso de que precisamos existir nas mega mídias sociais. Precisamos? Para o bem de quem? Se você não é digital influencer muito provavelmente não precisa estar em uma mídia social com bilhões de pessoas. Se sua empresa ou seus clientes de consultoria são 5, 100 mil pessoas o que você precisa é estar onde eles te enxergarão.
Aqui tenho que fugir só um pouquinho do tema e falar rapidinho de marketing, tá? Só um parágrafo rapidinho! Juro!
Em mídias sociais não é você que faz o marketing, é a mídia. Você paga a ela para ter alcance e ela te entregará, ou não, para os seus clientes em potencial. Isso é cada vez mais caro e menos eficiente porque as pessoas estão cansadas. Faça e controle o seu marketing. Por isso muita gente tá puxando os clientes para o email (malas diretas) e funciona muito melhor. Pronto! Fim do parágrafo sobre marketing.
Dito isso…
A primeira coisa em que temos que pensar é: queremos que dê certo? Precisamos mesmo de um lugar onde todos os bilhões de pessoas que transitam pela Internet se reúnam? Tenho pensado sinceramente que não. Que uma estrutura pulverizada com algumas centenas de milhões de pessoas em cada “planeta”, seja ele uma instância ActivityPub, um domínio próprio como instagram.com, uma instância de outro universo (como o protocolo AT que parece que a Bluesky está criando e é semelhante ao ActivityPub do Mastodon), um mensageiro como o Signal, o WhatsApp ou o Telegram. As plataformas de mídias sociais me desculpem, mas a boa campanha transitará entre redes, inclusive offline, sem que tenhamos que criar perfis em tudo que é rede.
Mas vamos considerar que você quer a comodidade de encontrar todas as pessoas que você conhece no mesmo lugar. Bem, temos pelo menos dois pontos a favor do Fediverso:
- Os 2 bilhões de usuários do Instagram estão sendo convidados a entrar no Threads, que, dizem eles, será integrado à federação ActivityPub;
- De dentro do Twitter veio o projeto Bluesky, que propõe outro protocolo para criar uma federação de redes sociais e que, tecnicamente, pode se integrar com o ActivityPub.
Mais importante do que essas duas coisas acontecerem ou não talvez seja o fato de Meta e Twitter (outras parecem pensar igual) verem o fediverso como algo a perseguir. Talvez por acharem que existe risco dele pegar e, se as pessoas migrarem em massa para redes federadas, esvaziar as mídias sociais já que as instâncias não precisam ser empresas que valem bilhões de dólares. São pequenos planetas, digo, instâncias que reúnem uns poucos milhares de pessoas no máximo e podem ser mantidas com poucos recursos. Algumas maiores se mantém simplesmente divulgando o pix ou patronato e contando com as contribuições espontâneas, modelo semelhante ao da Wikipedia.
Conclusão: se você achar no Fediverso um ambiente social agradável e conhecer algumas pessoas interessantes já deu certo para você. E por lá tem até veículos de mídia interessantes. Clica no meu perfil lá para cima e vasculhe os meus seguidos à vontade.
Conclusão
Uma historinha sobre privacidade online primeiro. É para apresentar um ponto, certo?
Estou no ciberspaço desde 1994 e sempre me senti seguro para expressar opiniões políticas, sociais, éticas, morais etc.
A partir de 2005, em outro blog, de vez em quando eu falava do crescimento do fascismo no Brasil. Apontava sites, comparava artigos com as características do Ür fascismo listadas por Eco em seu Cinco Escritos Morais.
Até aí tudo bem. Então em 2018 foi eleito um presidente que tinha como guru uma das pessoas que mais denunciei em meu outro blog e provavelmente aqui também. Um presidente que dizia que sua especialidade era matar, que a ditadura devia ter matado muito mais pessoas que a critivavam ou denunciavam.
Eu e minha esposa ali na sala de casa. Sabendo do que eu tinha publicado e da nossa proximidade com pessoas que criticavam e denunciavam o fascismo. Sentamos e choramos. Pensamos seriamente em sair do país. Ficamos porque tinha muita gente muito mais visível que nós que seriam perseguidas primeiro.
Essa é a história e nessa época eu já mantinha um email seguro e VPN da Proton Privacy. Eu estava preparado para me comunicar com as pessoas em segurança, manter minha navegação segura.
Se preparar é a chave da tranquilidade.
Claro que mídias e redes sociais não são algo tão dramático, mas nossas vidas sociais estão lá!
Desenvolvi amizades em BBS, IRC, blogosfera e muitos outros lugares online e perdi contato com muita gente legal quando cada rede social era abandonada. Só reencontrava com quem estava presente na próxima rede ou mantinha um blog ou ainda tinha o email ou outra forma de contato.
Pois essa é a minha conclusão dentro da conclusão
Pense em como achar e facilitar que te achem. Pode manter um blog com um “Onde me achar“, um linktree, crie um perfil em uma instância Mastodon e entre lá uma vez por semana. Divulgue seus endereços sociais para seus amigues e quem te segue para que te achem no caso de colapso do Twitter ou mesmo de um Facebook da vida, mesmo ele parecendo muito mais estável.
Por que o Mastodon? Porque ele não precisa de bilionário para existir, porque ele é feito por pessoas para pessoas em torno do ideal da comunicação e não do lucro exorbitante. Mesmo que fique pequenino como aquele bar com três mesas espremidas em um píer à luz do luar… esses são os melhores lugares para um bom papo com gente legal, né?
Serviços planejando se juntar ao Fediverso
Referências
- Guia do Mastodon: É o melhor guia introdutório que vi até agora. Consegue abordar quase tudo com bastante clareza e sem complicações.
- Can ActivityPub save the internet? – The Verge
- Outras galáxias:
- Como funciona a Nostr (Forbes em inglês)
Outras redes (não que as recomende)
Imagem
Pensei nessa imagem como o esforço de se manter em mídias sociais que dão muito trabalho para manter em movimento e frequentemente nos queimam.
Foto de Valentin Petkov na Unsplash


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