Já falei sobre as gigantes que transformam nossas informações em produto (Facebook e Google, mas tem uma infinidade de Cambriges Analytics fora dos holofotes minerando nas redes sociais) algumas vezes. Em 2014 foram dois posts em que falei em como evitar que o Facebook rastreie seus dados (já não basta, veja mais abaixo) e de o Facebook e o controle das nossas mentes (vou atualizar isso mais abaixo também).
No entanto a grande questão que temos que responder é “E daí? Por que devo me importar se o Facebook me espiona? E duvido que ele me influencie!”.
O segundo ponto é ainda mais delicado. Temos necessidade de sentir que estamos no controle dos nossos pensamentos. Lamento ter que dizer logo no começo desse post, correndo o risco de você se irritar e sair daqui xingando, mas nosso controle é limitado e nossa consciência de como sofremos influência também.
É importante que você me dê um crédito de confiança e se permita questionar nossa capacidade de reconhecer e resistir a influências negativas. Tenho um argumento para mostrar que somos influenciáveis: Há poucos anos mais de 70% dos brasileiros aprovava a política de esquerda e bastaram dois anos para praticamente inverter esse quadro. Não. Não foi por decepção com a esquerda pois o que veio depois era igual ou pior em tudo que supostamente nos teria decepcionado nos governos de esquerda. Hoje sabemos que a Cambridge Analytica teve um papel importante nisso usando o Facebook como ferramenta. Veja em Privacidade Hackeada na Netflix.
Pense agora naquela propaganda que aparece depois de você ter simplesmente pensado no produto. E se, em vez de ser fruto de leitura da sua mente, for fruto de sugestão? Os algoritmos te fizeram pensar naquele produto. Vale a pena dar uma olhada no começo de Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman para ver como nossa mente pode ficar suscetível com facilidade.
Estou trazendo o problema para o âmbito pessoal porque a pandemia nos mostrou que muita gente pode falhar em fazer esforços pela coletividade. Enquanto isso o grande problema de grandes corporações de dados serem capazes de sugar informações demais a nosso respeito está na influência que elas obtém sobre o coletivo e isso também nos influencia. De uma forma ou de outra é um problema nosso.
Claro que você pode ter cidadania, maturidade e responsabilidade e não precisava ouvir nada disso, mas era necessário também para dimensionar um pouco o problema.
E qual é o problema, afinal?
O WhatsApp é mais intrujão do que pensávamos
O artigo WhatsApp Soundly Beaten By Apple’s Stunning New iMessage Update na Forbes fala do exposed que a Apple fez com o WhatsApp revelando que ele recolhe 16 categorias de dados sobre o usuário enquanto o iMessage se limita a quatro (e o Signal a… bem, zero… volto a isso mais abaixo).
Além disso o Facebook se alimenta, de um jeito ou de outro, do Instagram, do WhatsApp, do próprio aplicativo, do próprio messenger e ainda de uma infinidade de “trackers” implantados em outros sites.
Por isso falei lá no começo que meu post sobre como não ser rastreado pelo Facebook ficou desatualizado. Você não tem mais como se esconder do Facebook sem algum conhecimento técnico e algum investimento em tempo e até me dinheiro.
Dinheiro… Aí chegamos no título desse post e no exposed que a Apple fez:
Dois modelos de negócios para a Internet
Podemos desfrutar de uma… Espere! Não! Eu não vou engrossar o coro do “se o produto é grátis você é o produto”.
Em primeiro lugar isso não é verdade, em segundo lugar podemos estar dispostos a ser produtos, qual é o problema disso? As empresas poderão conhecer melhor nossas necessidades, projetar avanços futuros e nos atender antes mesmo de sabermos que vamos precisar.
Hummm… Você percebeu qual é o problema? Será que o objetivo principal das empresas em um livre mercado é atender nossas necessidades? Aliás, quais seriam nossas necessidades? Elas são bem simples, né?
- Lazer;
- Comunicação (redes sociais incluídas);
- Produzir;
- expandir nossas capacidades;
- Saúde;
- Perspectivas de vida e futuro…
E as necessidades das empresas em um capitalismo desregulado diante do progressivo afastamento do governo?
- Gastar o mínimo possível para vender o máximo possível com o maior lucro possível.
E aí está o problema de darmos poder demais às empresas ao mesmo tempo que elas usam esse poder para serem cada vez menos regulamentadas.
Mesmo que você consiga garantir privilégios que coloquem tudo ao seu alcance, uma parcela grande demais da população fica entregue à frustração que leva a revolta, greves, conflitos de classes.
Mesmo que sejamos egoístas temos um motivo para todos serem prósperos: reduzir a violência e podermos andar sem perigo pelas ruas e não corrermos o risco de ficar sem nosso queijo porque os caminhoneiros entraram em greve.
Essa sessão está fugindo do assunto! Vamos retornar!
Na verdade temos três principais modelos de negócios para a Internet:
- Nossos dados são o produto: essas empresas precisam de regulamentação mais estrita pelo povo, representado pelo governo, para usar esses dados a nosso favor;
- Nossa privacidade é o produto: Nós pagamos para que nossos dados sejam protegidos como no caso da ProtonVPN, Evernote, Apple;
- Corporações, ou a população, pagam para que cidadanes comuns tenham direito à privacidade: caso do Signal (de onde o Signal tira dinheiro?) e do Wickr (comprado pela Amazon um tempo depois desse post ser escrito).
Em um futuro ainda utópico todas as ferramentas essenciais devem estar disponíveis na terceira categoria, mas por ora temos que decidir quando e o que pagaremos para proteger. Também é uma boa alternativa utilizar ferramentas independentes ou mantidas por usuários pagantes (como o Signal, o Wickr, o Evernote) garantindo que partes estratégicas da sua vida permaneçam fora dos algoritmos que traçam nossos perfis para nos influenciar.
O que temos visto, e devemos ver com mais frequência, são dos dois primeiros modelos disputando por nossa confiança e nossos recursos. Isso pode amenizar um pouco o problema enquanto a sociedade amadurece.
Também podemos (e vamos) desenvolver individualmente a capacidade de ter maior consciência e controle sobre o que nos influencia e isso será inclusive uma vantagem competitiva cada vez mais importante, procure desenvolvê-la.
Deixei de fora o modelo de produção de conteúdo como os streamings. Eles ficam para outro post.
E agora, o que fazer?
Sempre manter a calma e a placidez. É… Tem hora que é difícil, nesse exato momento parece que os dois filhos da vizinha são uma tribo de pigmeus enfurecidos destruindo o apartamento dela e me pergunto se consegui me concentrar o bastante para que esse post tenha ficado claro (não tinha, voltei um ano depois para revisar).
O que nós precisamos é reconhecer que temos uma mente inconsciente, que somos suscetíveis a influências de diversos tipos e seguir dois caminhos: participação política (não só votar, mas se informar politicamente, amadurecer politicamente) e desenvolvimento pessoal.
Minha sugestão para o segundo, e mais importante, é que, sempre que algo nos deixa muito felizes, muito tristes, muito revoltades, muito aliviades, muito qualquer emoção devemos dar uma pausa, respirar fundo e desconfiar do que estamos pensando pois humanos emocionados tendem a falhar racionalmente. Existem momentos para emoções, mas não são esses.
Imagem: Tobias Tullius on Unsplash


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