Advertência
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#OcupaRio – Performance Brasil from Rmaia on Vimeo.
Esse não é um estudo acadêmico. São observações, teorias e inspirações de uma pessoa que estuda informalmente as mudanças na sociedade enquanto ela caminha para um ambiente hiperconectado.
A segunda advertência é para evitar frustração das expectativas do leitor: Não sei e desconfio que ninguém sabe realmente para onde vão movimentos como os que tem tomado o planeta desde as primeiras mobilizações na Tunísia. O que vou expor aqui são algumas das minhas suposições.
Introdução – De onde veio?
Sim. Veio da Internet, da revolução de sofá…
A inspiração imediata dos movimentos que estão ocupando permanentemente espaços públicos em diversas cidades do mundo foi a mobilização iniciada em Wall Street iniciada em 23/set/2011 que, nesse momento, já inspira movimentos e mais de 100 outras cidades.
Naturalmente a crise financeira nos EUA teve forte influência na preparação do espírito da população para estabelecer o primeiro acampamento permanente de protesto popular, mas as origens recentes estão nas mobilizações iniciadas na Tunísia que resultaram em uma sequência de mobilizações populares que vem derrubando ditadores naquela região (o caso da Líbia merece outras discussões mais profundas).
Ir antes disso pode ser um exercício especulativo exagerado, mas é fato que o início dessas mobilizações populares não foi repentino assim. Antes deles vieram as revoluções de sofá na forma dos eventos virtuais no Facebook que todos diziam que atenderiam, mas ninguém ia. Antes foram os flashmobs originais (mais tarde pasteurizados pela indústria de marketing) onde as pessoas apenas experimentavam a possibilidade de criar eventos com uma multidão de estranhos para fins vazios como brigar de travesseiro ou andar de metrô sem calças.
Podemos fazer esse exercício especulativo indo para a era dos BBS e até antes do ciberespaço como na década de 60 quando a mobilização contra o racismo nos EUA começou nos bancos de um bar.
Mais importante do que essa especulação histórica é refletir sobre as origens emocionais e sociais.
Na Cinelândia duas TVs antigas foram destruídas e transformadas em uma instalação com os dizeres “isso é um instrumento escravizador”. Instrumento de uma era onde nossa voz era irrelevante diante das vozes dos rádios, das TVs e dos jornais: podíamos ouvir, mas o alcance da nossa voz era tão limitado que poderia ser considerado inexistente.
É impossível não lembrar do Carlos Nepomuceno que aponta o crescimento da população e a demanda por ser ouvido como origem até da própria Internet. Vale a pena navegar por suas ideias.
A humanidade quer responder
O que é?
Isso está respondido acima, mas pode ser resumido:
Até o momento, pelas minhas observações, são ocupações permanentes pacíficas feitas por cidadãos que tem em comum o desejo de se fazer ouvir pela mídia, pelos governos e pelas corporações para dizer que não estão satisfeitos com a forma como a humanidade vem sendo conduzida. Eles querem uma democracia mais direta, uma política mais honesta e transparente e empresas que tratem os humanos como cidadãos e não como consumidores.
Tem sido evitadas todas as formas de bandeira. O objetivo do movimento é ser o mais abrangente possível para poder se tornar um forum permanente (enquanto for necessário) em busca de melhores caminhos para a nossa civilização. Esse princípio parece caminhar para se fixar nas bases ideológicas do movimento: não é um movimento pelo respeito à diversidade, pelo direito das mulheres, pela preservação da vida, pelo meio ambiente.
O movimento é um forum que pretende buscar bases para tornar possível à população levantar suas bandeiras e buscar em conjunto, através de uma democracia (provavelmente) direta, soluções para os problemas comuns.
Em termos de evolução da socidade esse é, pelo menos, o embrião do que pode ser uma das maiores mudanças na estrutura da nossa civilização desde… Bem, desde muitos séculos.
Quem são?
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#OcupaRio – Primeiro Dia from Rmaia on Vimeo.
Essa é uma questão um pouco mais complexa do que parece à primeira vista. Em primeiro lugar só estive pessoalmente na mobilização do Rio, em segundo lugar esses grupos ainda estão se formando conforme a notícia da sua existência se espalha.
No Rio, nesse momento, a maioria parece composta por universitários das áreas de ciências humanas seguidos por artistas em geral. Há uma quantidade considerável de pessoas mais velhas que parecem já ter estado em outros momentos históricos importantes ou desejar corrigir o erro de não ter participado deles no passado.
Nota-se claramente que o grau de ensino médio é bem alto tanto pela forma como as pessoas se expressam nas assembléias quanto pelo conteúdo dos cartazes, mas todos são ouvidos com o mesmo respeito.
Quanto às pessoas que estão acampadas (cerca de 100) pretendo conversar com eles, mas quase todos parecem ter outras ocupações, no entanto, em uma cidade com a população do tamanho da do Rio não seria difícil achar 3000 pessoas disponíveis para morar em uma praça por alguns meses, até porque poderia haver um revezamento. E foi por isso que ainda não falei com eles: creio que em dois dias esse perfil ainda não se definiu.
Resumindo: são pessoas com ideais que, em geral, estão sacrificando uma parte do seu bem estar na esperança de mandar uma mensagem para os demais cidadãos (do Brasil e até do mundo): É possível! Essa é a hora de acordar!
Como funciona?
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#OcupaRio – Poesia de Manoel de Barros from Rmaia on Vimeo.
Essa é uma das partes que considero mais importantes. Mesmo que o movimento seja dispersado hoje, depois de apenas dois dias: a réplica offline do tipo de comunicação que ocorre online tornando possível organizar multidões que tomam decisões em conjunto mesmo quando são várias centenas de pessoas.
Parte da programação da ocupação é composta por lazer, mas há quase todo momento há um Grupo de Trabalho com até umas 80 pessoas desenvolvendo ideias sobre infra-estrutura, suporte legal, comunicação, bases teóricas etc.
As ideias levantadas por esses grupos são levadas às assembléias gerais que acontecem algumas vezes por dia e reúnem algumas centenas de pessoas (chegou a algo em torno de 500 no sábado).
Seguindo e exemplo de outros países a audiência repete as frases de quem está no centro da assembléia para que todos ouçam. Funciona bem e dá um senso de comunidade ao grupo que repete até aquilo com que não concorda.
Há sinais visuais com as mãos para propor adendos, apresentar forte objeção ao que está sendo dito etc. O objetivo é evitar a algaravia e serve como um interessante exercício de comunicação, de saber ouvir e interferir com respeito.
O exercício e desenvolvimento dessa forma de comunicação em grandes grupos (alguém tem referências históricas de grupos similares?), além de ser um reflexo interessante da forma de comunicação online, pode produzir memes de comunicação que modificarão a dinâmica das multidões em uma sociedade com o hábito da democracia participativa.
Naturalmente cada um desses movimentos tem seus blogs, flickrs, e streamings que nos permitem tanto assistir as assembléias mesmo não estando lá quanto vê-las depois no arquivo.
Essa transição de volta para o espaço online que tornou possível reunir essas pessoas desconhecidas é essencial: o que é dito, filmado, decidido é replicado online em vários lugares virtuais e essa é outra diferença para movimentos anteriores e parte vital do funcionamento que garante que ele continue mesmo que seja dissolvido por qualquer razão.
Para onde vai?
Em 23 de outubro de 2011 o vídeo abaixo foi feito em Wall Street. Eles também não sabem, mas isso pode ser bom.
[vimeo]30778727[/vimeo]
Where Do We Go From Here? Occupy Wall St. from Ed David on Vimeo.
Aqui entramos totalmente no campo da suposição.
É possível que coisas assim ocorram em outras ocupações caso elas aumentem e durem o bastante para isso.
No Brasil a minha aposta, a curto prazo, seria na formação de mini-fóruns sobre diversos temas indo das questões ecológicas até o voto em lista passando pela liberdade de expressão online. Esses fóruns produziriam manifestos com o consenso popular dentro e fora dos movimentos como o #OcupaRio.
Tais mini-fóruns podem dar origem a grupos pequenos e muito bem articulados com grande capacidade de inovação equilibrada pelo consenso geral do movimento (talvez até em caráter global). Eles também podem se destacar totalmente do movimento.
No entanto a extrapolação mais empolgante dos possíveis futuros desses movimentos é a criação de um tipo de mente coletiva que exercita a democracia direta através de mobilizações que transitam entre online e offline como se não houvessem fronteiras.
Utópico. Sim, mas para entender os processos que estamos testemunhando temos que nos permitir a alguns exageros.
Isso vai dar certo?
Já deu.
A questão é se isso vai dar super certo.
Há desafios.
Um jovem de 16 anos observou muito bem num dos Grupos de Trabalho que assisti que o maior obstáculo virá de dentro e não de fora. Que as pessoas vão discordar, se cansar, brigar. Que serão embilhados 3 tijolos e dois vão cair, serão empilhados 5 tijolos três vão cair.
Ele está certo. Um grupo cada vez mais heterogêneo que se constrói ao ar livre e aberto para qualquer pessoa é uma construção complexa… Mas está funcionando em Wall Street há mais de um mês.
Um outro desafio está na estrutura distribuída da organização. Isso torna o grupo apto a resistir a grandes baixas (é a mesma estrutura usada pela Internet e pelo desenvolvimento OpenSource), mas mentes coletivas são menos ágeis e menos brilhantes que algumas mentes inteligentes.
As decisões de uma mente coletiva são feitas por consenso. Elas refletem a inteligência coletiva e não a inteligência máxima do grupo.
No entanto isso é bom.
Parte do exercício da democracia é entender que você é uma voz e aceitar que sua ideia não foi aprovada pela maioria. É ter o senso de comunidade para pensar que aquilo não vai dar certo, mas foi o consenso geral.
Hoje boa parte da nossa população parece crer que democracia significa “posso fazer o que quero” quando ela consiste em “vou dar o melhor de mim para mostrar à maioria que a minha ideia é boa”.
Em todo o caso mentes coletivas tem limitações que talvez não permitam que o movimento possa ser o máximo que poderia ser, mas é mais importante que ele seja um movimento comum, um exercício coletivo de desenvolvimento da democracia.
Referências
Vou favorecer aqui pensadores brasileiros pois creio que temos que conhecê-los e desenvolver nossa própria visão social, política e econômica.
- Blog do OcupaRio: ocupario.org
- Site central do movimento nos EUA: occuppytogether.org
- Site central do movimento no Planeta (#GlobalChange): http://15october.net/
- Facebook do OcupaRio: bit.ly/ocupario_fb
- Site do OcupaSampa: 15osp.org
- Canal Livestream do OcupaSampa: http://www.livestream.com/anonymousbr
- Carlos Nepomuceno: a crise da Intermediação
- Gil Giardelli: Humanidade 5.0
- Site do OccuppyWallst
- Peter Schiff (1/%) encontra pessoalmente os 99%
Fotos
- OcupaRio 2011 – Cinelândia
Amigo,
Seu texto está ótimo e inspirador.
Pode parecer um pouco de viagem minha, mas esses movimentos de ocupação me remeteram à Grécia antiga, do início do que se pensou ser a democracia e a filósofos e pensamentos brotando em praças ou reuniões simples.
Nem precisa falar que essas reuniões na Grécia nos presentearam com mentes brilhantes que nos inspiram até os dias de hoje. Será que estamos testemunhando algo similar? Baseado no seu texto e nos vídeos que você publicou, creio que sim.
Lá atrás, pensadores e jovens (não exatamente nesta ordem) ajudaram a pensar num sistema de governo com a participação da população. Nos dias de hoje os pensadores estão repensando e buscando melhorar esse modelo. Isso é engrandecedor e inspirador.
Mesmo assim, acho que falta uma liderança simbólica para o movimento e alguém controlando as ações. Na minha humilde visão, OpenSource é concepção para algo gratuito, não para algo bom. É uma nova via, uma via gratuita, não uma via boa por definição.
Mas aí eu entraria numa vertente de cobrar algo que eles mesmos não estão se cobrando neste momento, que é um norte. Acho que o que está ocorrendo agora é um “rito de passagem” para algo maior. Esses jovens estão asfaltando o caminho para as mudanças.
Foi muito bom você tocar no assunto “Revolução de Sofá”. Esses jovens acabaram de derrubar mais essa barreira. Só por isso já dá para considerá-los vencedores.
Que eles transpirem, pensem e inspirem! É disso que o mundo precisa…
Abraço!
Vejo alguns problemas: gente de Nike no pé, celular caro, Ipod, Notebook na mão, reclamando do capitalismo? Bacana … imagina quem não tem nada disso! Outro: o movimento Anonymous, ligado ao occupywallstreet e a outros setores dessa onda (zeitgeist, cassiopea, etc.) tem ligação com misticismo, arrecada fundos não se sabe para quê (não especificam claramente os fins). Gente lucra com isso, exatamente como o bom capitalismo preceitua e pratica. Partidos políticos aproveitam a onda e fazem sua pregação antigovernista, de acordo com a situação, nas acampadas. Apesar de não criar, a rigor, nada de novo, o movimento ganha visibilidade pelo fato de ser externo, na rua: mas o que tem dentro? Gente de partidos em busca de poder, acadêmicos, artistas, descontentes (cuja energia é aproveitada pelos articuladores/organizadores).
Difere da prática social e política geral em quê? Da assembléia de bairro, de uma assembléia sindical em que todos podem falar e encaminhar, que há de novo ali? Os meios são cibernéticos, industrializados. Bacana? bacana! Mas não se iludam. Usar uma máscara modifica tudo? Dizer que é apartidário, quando na realidade não é tanto assim, resolve? Pergunta se eles participam da micropolítica em suas casas, bairros e grêmios, ou se só buscam luzes dos refletores, encantados com a própria notoriedade…
Oi Ubiraci,
Discordo com vc em quase tudo 🙂
Pelo meu post já dá para notar que eu não acho que o fenômeno trata de capitalismo, ele trata da forma como funciona a democracia e, sendo assim, não vejo nenhum problema nas pessoas ali não andarem peladas e caçando pombos com as mãos para não usar nada da indústria capitalista 🙂
É claro que as pessoas acham que estão protestando contra o capitalismo, mas nós humanos fazemos coisas sem necessariamente saber para onde vamos 🙂
Discordo com relação ao Anonymous… Ele não existe. É uma ideia: pessoas que se mantém anônimas para ir contra o sistema. A partir daí qq um pode se dizer Anonymous. Vejo pelo menos uns 4 grupos totalmente desconectados atuando pela Rede sem falar nos vídeos feitos por governos e partidos políticos.
Passei uns 4 dias entre as barracas e pessoas do OcupaRio. Cara, alí não tem partido. Tem uma tendência à esquerda, claro, mas acho que os partidos ainda nem se interessaram de fato em estar lá. Tam’bem não tem influência do Anonymous que, como eu disse, não vejo como organização, mas como grupos de idealistas que podem ser bem ou mau intencionados.
Também não acho que o movimento está chamando atenção. Nos EUA e Inglaterra um pouco. Eles parece muito mais bem coordenados por lá (talvez lá exista infiltração de partidos, quem sabe?). Aqui no Brasil nem as organizações que se dedicam a direitos humanos e ecologia se juntaram às ocupações.
A grande falha que vejo no movimento, e que para mim marcou o fim da sua força há dois dias, foi permitir que um indivíduo do grupo usasse o poder da coletividade para apoiar seus interesses pessoais. Com isso eu creio que o coletivo brasileiro cedeu à sedução do poder e passou a agir como os 1%: apoiam-se em seu poder (ou sensação dele) para favorecer quem está dentro em detrimento de quem está fora.
Respondendo à sua pergunta final. O OcupaRio, me parece, passou por várias fases. Na primeira semana a maioria era participativa também na micropolítica das suas casas, bairros e grêmios. Na segunda semana ainda há muita gente boa, mas perdeu-se um pouco a força intelectual no consenso.
Explico: um dos problemas que vejo na democracia direta é que ela abafa os brilhantismos individuais.
Ainda assim acho que a invenção de fóruns públicos espontâneos governados pela democracia direta serão um elemento importante do que chamo de hiperdemocracia ou talvez devesse chamar de holocracia.
Obrigado pelo comentário!
Vocea diz isso agora que estou fechando outro cotatnro para prestar consultoria em geste3o do conhecimento? Eu concordo plenamente com vocea, sf3 acrescentaria que para as grandes corporae7f5es conhecimento e9 algo que pode ser capturado do funcione1rio e armazenado para que elas ne3o percam o conhecimento quando ele ficar muito caro ou decidir abrir seu prf3prio negf3cio. Elas confundem informae7f5es complexas com conhecimento. Nos faltimos 14 anos venho desenvolvendo o conceito de epistemologia corporativa e tentando passe1-lo para os meus clientes, mas e9 complicado mudar a cultura de empresas grandes. Em em armazenar conhecimento: O sucesso na implementae7e3o das etapas anteriores favorece a gerae7e3o de conhecimento; entretanto, e9 necesse1rio definir tambe9m o seu fluxo, formas de armazenamento e possedveis reflexos nos sistemas de dados e de informae7e3o. Por volta de 2005 comecei a considerar que o importante e9 criar um ambiente propedcio e0 criatividade e produe7e3o de conhecimento baseando-se em 4 bases: relacionamento humano no trabalho, relacionamento humano com o trabalho, geste3o centrada no conhecimento e sistemas projetados para facilitar a construe7e3o de conhecimento, seu fluxo e renovae7e3o.Cheguei a escrever umas 70 pe1ginas sobre isso junto com a minha esposa e agora estou procurando tempo para rever, atualizar e soltar gratuitamente na rede. Fico em dfavida se as empresas je1 este3o prontas para isso, mas creio que soltar o paper e9 parte do processo de promover essa mudane7a de paradigma.Agora, partir da geste3o centrada no conhecimento para a sabedoria e9 um grande passo que eu acho que sf3 acontece com a mobilizae7e3o dos clientes das grandes corporae7f5es! Sei que o post ne3o foi sobre isso, mas adorei sua ide9ia lane7ada naquela breve post no Gengibre.