Imagem: O Pesadelo – Johann Heinrich Füssli
Se você acha que o título desse post está errado tenha um pouco de paciência, não feche a aba ainda, certo?
Parece haver um consenso de que temos duas opções: sermos realistas e portanto pessimistas ou nos alienarmos da realidade permitindo-nos ser otimistas.
É claro que o uso popular das palavras pode ter mudado seus significados, no entanto, de acordo com o dicionário, tanto o pessimismo quanto o otimismo são visões distorcidas. Ambos enxergam uma realidade ou constroem perspectivas que não correspondem ao fatos ou ao que realmente acaba vindo a acontecer.
No entanto tenho a forte impressão que, não, que pessimismo no linguajar comum é apenas o oposto do otimismo, ou seja, uma forma de alienação da realidade.
Até aqui não há qualquer novidade para quem dedicou algum tempo a reflexões sobre pessimismo e otimismo, mas espero ter atingido quem vinha dividindo nossas possibilidades de viés entre pessimismo e otimismo sem percebe que ambos são delírios.
Outra forte impressão… Bem, na verdade essa forte impressão e a anterior tem suporte de pesquisas e medições objetivas que não são o foco desse post, mas enfim, a outra característica da nossa sociedade que compõe a base da preocupação desse texto é essa abordagem binária que limita nossas possibilidades a dois delírios: otimismo e pessimismo.
Certo. É verdade que temos uma tendência natural a uma ou outra a maior parte do tempo (e mudamos de viés em diversos contextos), mas temos que ter consciência do nosso viés para medir a extensão dos nossos equívocos cognitivos. Quem me conhece se surpreenderá em saber que, predominantemente, sou um pessimista. Siga no texto e você provavelmente também achará que estou enganado, mas no final talvez consiga provar.
Então estou dizendo que podemos ser pessimistas, otimistas ou realistas, sendo o realismo uma visão racional e consciente da realidade?
Na verdade não.
Uma das “descobertas” do paradigma a que nos dirigimos é a fluidez, as escalas não binárias.
Coisas como o vestido branco e dourado, yanni x laurel ou o efeito McGurk são exemplos de como nossa percepção pode falhar assim como os nossos processos cognitivos: The Bayesian Trap.
A equação é mais ou menos a seguinte:
- Exagerar no medo na vida selvagem aumenta mais nossa possibilidade de sobrevivência que exagerar na sensação de segurança (nota importante: não vivemos mais em vida selvagem… E não venha com “Ah! E não é selvagem a violência urbana?” porque um leão com fome é muito diferente de um assaltante). Mesmo otimistas terão uma tendência a prestar atenção ao pior;
- Logo o medo vende mais mídia que a promessa de segurança, principalmente se vendemos revistas semanais ou jornais diários. A mídia provavelmente sempre nos venderá o medo…
- Nossa memória guarda mais bons momentos do passado que momentos desagradáveis (a menos que sejamos pessimistas o que muitas vezes nos leva a ver mais sofrimento que bons momentos no passado);
- Soma-se a isso que há uma cultura de proteger as crianças da “dura realidade da vida” o que fortalece a ilusão de que o mundo era melhor quando éramos crianças;
O resultado é um senso comum de que nos encaminhamos para o caos; um tipo de involucionismo que nos leva a crer que o presente é pior que o passado e o futuro será pior que o presente.
Junto com esse viés também é comum a crença de que humanos são uma praga, um tipo de vírus destruidor da vida e tudo o mais em que toca. Mas vou deixar isso para outros posts.
Então como ser realista?
Ainda não dispomos de tecnologia (big data, machine learning, deep learning) e dados (sensos e estatísticas completos) para construir um modelo da realidade da nossa sociedade e certamente nossa própria capacidade cognitiva é insuficiente em várias ordens de grandeza para compreender as interações e culturas de mais de 7 bilhões de pessoas.
Ser realista está além das nossas possibilidades e esse deve ser nosso ponto de partida:
Temos que ter a humildade e bom senso de entender que precisamos lidar com visões fragmentadas e fluidas da realidade, que é necessário manter nossas mentes livres de amarras a convicções, vieses ou de velhas certezas.
Talvez não possamos ser realistas, mas podemos ser práticos. Podemos buscar medições verificáveis e testar hipóteses em busca de boas teorias.
Steven Pinker tem feito um bom trabalho analisando se o mundo está ficando melhor ou pior:
O meu argumento hipotético é memético: conforme a sociedade e o capitalismo se tornam cada vez mais cognitivo e digital (os produtos materiais são mais definidos por seus valores “informacionais” como design e marca do que por qualidades físicas enquanto grande parte dos produtos sequer são materiais: vídeos, livros, séries, jogos e… o tempo da nossa atenção nos Facebooks da vida).
Ele nos leva à necessidade de uma civilização com cada vez menos miséria, menos fome, menos violência, mais diversidade, mais cultura, tecnologia, lazer.
Sou um otimista, não é mesmo? Me enganei ou menti lá no começo 😉
Na verdade não…
Veja bem, me parece que conseguiremos superar o único grande problema na Terra para a humanidade e toda a vida no planeta, um problema que foi criado por nossa ignorância conforme nos tornávamos animais capazes de alterar de formas quase inéditas (teve organismos que tiveram um impacto maior que o nosso) e conscientes (isso aparentemente é exclusividade nossa) o ecossistema global, a mudança climática.
Otimista, então! Claro!
Na verdade não pois, sem grandes razões objetivas ou mensuráveis, tenho a forte impressão de que o destino de civilizações orgânicas é o colapso. Que animais não são capazes de superar sua natureza tornando-se mantenedores da vida… Bem… “Civilização Orgânica” pode ser uma generalização injusta, quem sabe uma civilização vegetal não seria sustentável?
O que acontece é que, ao olhar para o futuro, o melhor cenário que consigo ver é de alguns humanos mantidos em espaços controlados e restritos na Terra enquanto uma civilização cibernética se desenvolve.
Pode não ser uma visão de todo pessimista pois me parece que seria uma civilização madura e pacífica, mas os humanos estariam fadados a perder a liberdade ou até se extinguir e não posso dizer que essa é uma visão otimista, nem mesmo realista 😉