Virei espião, e agora?

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Está lá a pessoa vivendo sua rotina normal, de gente normal, com trabalho normal, família, amigues e até um pacato aquário com peixes normais, quando boom! Alguém coloca um pendrive em sua sacola de compras, é confundida com um espião internacional e…

Está aí o sonho que leva muita gente aos cinemas ou a escolher um bom livro de espionagem.

A possibilidade de acontecer contigo ou comigo é infinitesimal, mas estava conversando com um amigo e pensando em privacidade e segurança e viver um pouco como espião não faz mal a ninguém, nem que seja só para brincar de viver a fantasia no dia a dia.

Bem… Além disso possibilidades infinitesimais ainda podem acontecer e a vida dos personagens dessas histórias seria bem mais fácil se já tivessem se preparado um pouquinho. Alias… dá um conto pro Galeria de Espelhos, meu blog pessoal, hein?

Outra coisa que me fez escrever esse post é que muita gente se incomoda quando as propagandas parecem adivinhar o que estamos pensando ou quando aquele parente que era uma pessoa muito querida vira uma verdadeira célula fascista que espalha discursos de ódio e teorias da conspiração estapafúrdias (adoro essa palavra! Ela em si já é estapafúrdia!). De certa forma todo mundo hoje é meio que personagem de uma trama de manipulação da opinião pública, golpes políticos e corporações malignas.

Sem falar que tem um certo senso comum de que caminhamos para uma distopia totalitarista nos modelos de 1984, do Orwell, e quem acredita nisso (eu não acho muito provável) devia tomar seus cuidados, né? Em totalitarismos distópicos nem a pessoa mais insignificante é livre para se comunicar.

Mas, olha, esse medo aí de cima, eu francamente acho que ninguém devia alimentar… Em boa medida acho até que ele é, em si, uma porta de entrada para a seita que tem transformado pessoas próximas de nós em seguidoras de Cthulu.

Vamos focar no lúdico e no direito que temos de nos comunicar sem que estejam observando cada link que clicamos e cada pessoa com que interagimos para traçar o nosso perfil e influenciar o nosso humor, viés e até desejos de consumo.

Preparação

Costumo brincar que tenho uma mochila do apocalipse zumbi que contém tudo que preciso para um caso de emergência.

É uma brincadeira porque vivemos uma situação relativamente segura no Brasil, mas é até um pouco de mau gosto quando lembramos que pessoas em muitos países – não só na Ucrânia que ocupa os jornais ultimamente – e em áreas de risco realmente mantém uma mala com diplomas, documentos, passaporte etc.

Seja como for o kit tem que ser preparado antes de ser necessário, mas lembre-se de fazer isso como um jogo. Se tem uma coisa que não precisamos é de mais ansiedade.

No mundo digital, que é o objeto desse post, o kit é composto por coisas como navegação, email, mensagens instantâneas, VPN e, para levar mais a sério, evitar a vigilância dos robôs (Alexa, pare de me ouvir agora!).

Como escolher os dispositivos e aplicativos do kit

Talvez o melhor ponto de partida para escolher seu kit seja pensar no modelo de negócios de quem o oferece.

O Google vive de coletar dados sobre as pessoas e vender anúncios para elas, mas não só anúncios que lhes oferecem o que elas precisam, mas também acaba sendo uma ferramenta útil para quem quer influenciar o nosso estado de espírito, nossos desejos, nosso viés. Isso é ainda mais marcante no caso do Facebook. 90% da renda do Google e 98% da do FB vem de anúncios…

Sabendo disso o bom kit espião deve eliminar qualquer coisa do Google, do Facebook e até de empresas como a dona do TikTok ou fabricantes de hardware que não estejam claramente comprometidos com a privacidade. Tem se falado nos chineses, mas francamente, acho que temos que assumir que hardware ocidental também pode ser abusadinho na coleta dos nossos dados.

Navegação

Você usa o Chrome do Google, né? Ele pode ser um dos maiores responsáveis por você pensar em uma coisa e o anúncio aparecer, mas se isso não te incomoda vai fundo! Pode usar! Mas se quiser se preparar para o dia que o pendrive for jogado na sua mochila no aeroporto (vai que é um plano secreto da Alphabet para dominar o metaverso) é bom já manter o hábito de usar o Firefox ou até o Tor, que é o mais próximo de privacidade que temos.

É bom usar também algumas extensões como a Facebook Container (que vem no Firefox) e a uBlock Origin, mas faça sua pesquisa por extensões e privacidade.

E por falar em pesquisa… Google de novo? Afinal é a única que presta, né? Olha, vou dizer que o Google está tão ajustado ao nosso viés que já não tem me atendido bem. Para mim as buscas servem em grande parte justamente para expandir e atravessar meus horizontes e não para reforçar meu viés.

No entanto, mesmo que você tenha uma relação afetiva com seus vieses e limitações dos horizontes, recomendo o DuckDuckGo para pesquisar sem ser alvo de pesquisa também.

Existem diversas extensões de privacidade e não vale a pena tentar listá-las aqui. Alias, pesquisar é uma qualidade essencial para pessoas espiãs.

VPN

Podia estar no tópico anterior, mas a importância delas não é apenas na navegação, é também para garantir que a empresa que está conectando o seu dispositivo à Internet não saiba o que você está fazendo: que sites está visitando, que aplicativos está usando no celular como Telegram, Signal ou mesmo que aplicativo de entregas você usa.

Também servem para impedir o tal ataque do “homem no meio”, que é alguém monitorando sua conexão à Internet quando você conecta pelo wifi do café estiloso no aeroporto quando está prestes a fugir do país hehehehe.

Entre as gratuitas só consigo indicar uma sem medo de te colocar em uma roubada: a Proton.me, que já tem uma história de preservação do direito à privacidade, segurança etc. Inclusive ela vai aparecer de novo aqui. Ela serve até para acessar o YouTube, mas, na versão gratuita, não funciona para streaming ou torrent, mas o objetivo aqui é proteger a sua privacidade e, para ver vídeos em geral, ouvir podcasts e ler artigos, inclusive acessando sites bloqueados no seu país, ela atende muito bem.

Entre as pagas, além dela, tem ótimas opções como a NordVPN. Faça sua pesquisa.

Hardware

Aqui a gente tem basicamente duas opções: Android vs iOS e PC vs Mac.

Sem sombra de dúvida é no mundo PC/ Linux que é possível construir o conjunto sistema operacional e hardware mais seguro, no entanto não tem como fazer isso sem estudar um bocado os aspectos técnicos dos dois.

Como nosso objetivo aqui não é virar espião de verdade sou obrigado a sugerir – argh – o ecossistema da Apple como hardware seguro. Ela está na categoria que cobra para te vender privacidade (ferrou: Apple Finds Its Next Big Business: Showing Ads on Your iPhone). Está longe de ser perfeita, mas ela certamente não compartilhará seus dados como os principais vilões (Alphabet, Meta…). Agora, se o pendrive que jogarem na sua mochila tiver planos secretos envolvendo a produção de chips na China (a Apple continua comprando de lá?) então… Bem, então você devia se livrar dele o mais rápido possível e passar o resto da vida sem conectar na Internet! Hehehe!

Em todo o caso, querendo se aprofundar em alternativas mais puras, pesquise sobre distros do Linux e fabricantes de computadores para montar um desktop seguro. No âmbito dos dispositivos móveis dê uma olhada em como está o LineageOS e alternativas a ele como o Copperhead e o GrapheneOS. Em notebooks e desktps você pode usar um pendrive com um Tails da vida.

Email

O Gmail é o único email que você tem? Ah… Tem um Yahoo e um Outlook tamb… O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? 😉

Mais uma vez: não tem problema nenhum usar esses grandes serviços de email gratuito, mas é bem aconselhável ter pelo menos um serviço de email seguro.

O que seria um serviço de email seguro? Bem. Há alguns anos todos os grandes serviços garantem a criptografia dos emails enquanto transitam pela Internet, mas quando chegam no destino ficam armazenados sem proteção e funcionários específicos podem ter acesso ao conteúdo deles e sempre haverá o risco de um governo totalitarista forçar a entrega desses dados.

O ideal seria um serviço de email que, ele mesmo, fosse incapaz de olhar o conteúdo das suas mensagens e, pasme, isso existe! Posso indicar dois: Tuttanota e (de novo) o Proton.me.

Vá lá, leia sobre eles, escolha um, faça sua conta gratuita e passe para os amigos e contatos. Existem outros, mas preste sempre atenção no modelo de negócios, na missão e na história da empresa, inclusive desses dois.

Lembre-se que não estamos querendo realmente virar espiões e espiãs, estamos principalmente nos informando sobre as nossas possibilidades e necessidades de privacidade.

Eu mesmo usava principalmente um email do Gmail como principal, mas nos últimos meses fui reduzindo o uso dele deixando agora só para algumas coisas que podem gerar spam e o meu email principal para contatos comerciais e pessoais é gerenciado pela Proton.me.

Lembre-se que as versões gratuitas dos serviços confiáveis terão limites e não servirão, por exemplo, para receber GBs de emails com anexos. São endereços de email para comunicação e oferecem o suficiente para isso.

Mensagens

Já escrevi post sobre por que ter uma alternativa ao WhatsApp e sobre O melhor app de mensagens do mundo, mas vou resumir aqui, inclusive porque as coisas mudam.

Desde então o Telegram se tornou um chato tentando empurrar a versão premium (e definitivamente não é o melhor do mundo para comunicação privada), o WhatsApp conseguiu piorar e parece que moderadores estão tendo acesso ao conteúdo das mensagens trocadas e o Wickr foi comprado pela Amazon (continue surda, Alexa)

Além disso o foco aqui é a garantia de privacidade e não qual aplicativo é mais legal ou mais usado.

O que vou manter lá do post “O melhor do mundo” é que temos a opção de escolher o aplicativo que usaremos com nosso grupo de contatos.

É claro que a sobrecarga de fluxos de informações pode ser até pior que a ameaça à privacidade e você tem toda razão de não querer ter um monte de app apitando nas suas notificações.

Ainda assim acho que todos devíamos ter 2 aplicativos: o que todo mundo usa e o que nós usamos para termos a paz da privacidade.

O mais recomendado continua sendo o Signal, até porque é o pai do WhatsApp, então é bem familiar, mas tem uma bifurcação dele que pode ser interessante, apesar de ainda não ter me convencido no quesito “modelo de negócio”, o Session.

Você sempre pode buscar no DuckDuckGo por “Signal alternatives” e ver como andam as coisas.

Faltou alguma coisa?

Faltou dicas de disfarce 😛

Como a CIA usa disfarces

Pera! Não é para virar espião de verdade! O objetivo desse post é falar de um jeito lúdico sobre a nossa privacidade e direito a anonimato.

Mas o vídeo é bem legal!

Voltando ao que falta: muita coisa, como formas de evitar vírus, ramsomware, spywares etc. mas, como disse, a meta aqui não é virarmos espiões. O mais importante mesmo…

O mais importante…

… É desenvolvermos um hábito e habilidade que define quem é mestre em espionagem: pesquisar e saber como fazer isso.

Eu duvido que você não se incomode pelo menos um pouco com propagandas que parecem fruto de alguém te espionando ou com aquelas pessoas cada vez mais cercadas por boatos e fakenews malucas. Tudo isso passa pelo seu direito a privacidade e anonimato online.

Links úteis

Photo by Marten Newhall on Unsplash


Comentários

3 respostas para “Virei espião, e agora?”

  1. […] E não tenho receio pessoalmente do domínio que o Google tem sobre quem eu sou ou o que eu penso, ainda que ele certamente use lá seus algoritmos para influenciar o que eu penso (tenho meus métodos para me proteger). […]

  2. […] Atualizando em 2023: Apesar das dicas em geral ainda existirem (troquei o OpenDNS pelo Mullvad) muita coisa mudou, já temos boas VPNs gratuitas e os Sistemas Operacionais são mais resistentes a vírus. Recomendo o post de 2022 “Virei espião, e agora?“ […]

  3. […] Felizmente não é necessário dominar nada ou ser hacker para proteger seu sistema e ter hábitos seguros. Já falei aqui sobre senhas, em como e porque mascarar o endereço de email, e dei dicas gerais de segurança no post Virei Espião, e agora? […]

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